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Cota de demagogia
Falta demanda qualificada para preencher 10% das vagas na Unifesp; que dizer dos 50% que o governo quer tornar obrigatórios?
RESULTADOS do mais recente vestibular da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp) são um alerta contra a proposta do governo federal de ampliar as cotas para minorias nas
universidades federais. Se aprovado pelo Congresso, o texto
atual da reforma universitária
obrigará todas essas instituições
a destinar 50% da capacidade exclusivamente a esse público.
Já há algum tempo a Unifesp
reserva 10% suas cadeiras a indígenas ou afrodescendentes que
venham da rede pública de ensino. Segundo a Unifesp, 46% dos
1.152 candidatos que disputaram
as 46 vagas disponíveis para esse
sistema foram eliminados por
terem tirado zero em ao menos
uma das provas. Entre aqueles
que concorriam pelo sistema
convencional, essa proporção foi
bem menor, embora ainda acima
do razoável: 22,7% foram desclassificados por esse motivo.
O alto índice de eliminação entre os candidatos inscritos no
sistema das cotas ilustra bem os
limites do modelo. É um claro sinal de que, entre os egressos de
escolas públicas cuja declaração
racial se enquadra nos requisitos
do vestibular especial, poucos
são realmente qualificados para
estudar nas universidades mais
prestigiosas. Se falta demanda
qualificada para preencher 10%
das vagas de instituição de prestígio como a Unifesp, que dizer
dos 50% que o governo federal
pretende tornar obrigatórios?
Há uma grande demagogia em
curso no Brasil no tema das cotas. Ataca-se o efeito -o fato de
poucos alunos egressos das camadas mais pobres, seja qual for
a cor de sua pele, conseguirem
chegar a cursar uma universidade pública-, quando uma política responsável deveria combater
a causa: o péssimo nível dos ensinos fundamental e médio que os
governos oferecem à população.
Há alguns meses, a USP e o Ministério da Educação propuseram um sistema muito mais adequado -embora trabalhoso- de
tentar ampliar a presença de estudantes oriundos de escolas públicas nas melhores universidades estatais. Baseava-se em um
mecanismo de identificação de
alunos com bom potencial de
aprendizado na rede pública básica, que seriam, ao longo dos
anos, submetidos a aulas de reforço a fim de que pudessem
competir com boas chances nos
vestibulares mais disputados.
Seria um modo saudável de
não desperdiçar o potencial de
alunos talentosos, onde quer que
eles estejam, sem ferir os princípios do mérito e da isonomia.
Cabe, evidentemente, apenas à
sociedade e a seus representantes no Congresso decidir se preferem reforçar a aposta nas cotas; opção cuja constitucionalidade (a Carta afirma que "todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza")
ainda será discutida no Supremo
Tribunal Federal.
É preciso ter claro, porém, que
optar de vez pelas cotas, como os
resultados da Unifesp indicam,
não se fará sem custos. O ônus
recairá sobre a qualidade dos
alunos da universidade pública,
subvertendo o princípio do mérito, que deveria ser soberano em
instituições que zelam pelo ensino e pela pesquisa de ponta no
Brasil.
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