São Paulo, segunda-feira, 05 de junho de 2006

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JOÃO SAYAD

Código da Vinci

"POR QUE, DEUS, o senhor permaneceu em silêncio? Como pôde tolerar tudo isso? Onde estava naqueles dias? Como pôde permitir esse triunfo do mal?" O papa Bento 16, tido como conservador e dogmático, rezou com essas palavras, em voz alta em Auschwitz. Perguntou o que Jó, coberto de chagas, tendo perdido tudo, não teve a coragem de perguntar. Faz tempo que não ouvíamos uma pergunta assim, de verdade, que a ciência arrogante nem pensa em responder. Uma surpresa comovente que revelou um papa humano e simples. A primeira encíclica, "Deus é Amor", já havia sido uma linda surpresa. Fácil de ler, trata do amor erótico e da amizade como caminhos para chegar à caridade, ao amor de Deus. Não menciona aborto, preservativos e outros temas polêmicos. Os conservadores têm feito surpresas agradáveis, enquanto os progressistas têm nos trazido apenas frustrações. Na semana passada foi lançado o filme "Código da Vinci", baseado no livro, primeiro lugar na lista de best-sellers do "New York Times" há 50 semanas. Romance sobre assassinatos misteriosos e códigos secretos que protegem o segredo sobre o local onde estariam escondidos os Evangelhos excluídos do Novo Testamento. Segundo esses textos, Jesus teria casado com Maria Madalena e tido filhos e descendentes que foram parte de uma dinastia real francesa. Os Evangelhos excluídos constituíam uma religião em que a mulher e o sexo têm papel preponderante. Enquanto o Novo Testamento teria criado uma religião "machista" e para celibatários. Não há nenhuma evidência histórica que apóie o romance. Verdade que são Paulo sugeria aos cristãos que não se casassem. Mas era apenas por prudência, pois imaginava que o fim do mundo estava próximo. E tinha muitas amigas mulheres. Não está escrito nos Evangelhos que Madalena era prostituta. Essa versão surgiu apenas no período medieval. Há de fato uma dezena de Evangelhos excluídos do Novo Testamento. Porque eram muito posteriores aos tempos de Cristo e inverossímeis. Nenhum é feminista. Alguns são fortemente antijudaicos e teriam tornado o ódio racial contra os judeus ainda mais cruel. Impossível não ler o livro de enfiada. Tem o ritmo do "Caçador de Tesouros" do Spielberg. A invenção da presença de uma mulher descendente de Jesus vivendo entre nós parece conto de fadas. No romance, ela tem nome, endereço e telefone.Vive num castelo na Escócia. Atende a ansiedade comovente que o papa demonstrou na oração. Seria um consolo para palestinos oprimidos, israelenses ameaçados, americanos em pânico e brasileiros apavorados. Pena que ela não mora no Brasil.

@ - jsayad@attglobal.net


JOÃO SAYAD escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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