São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2007

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Meios e fins

ROBERTO LUIS TROSTER

Mesmo considerando que a taxa básica de juros está em seu valor mais baixo nas últimas décadas, ainda é das mais altas do mundo

HÁ UMA anedota que diz que, ano após ano, os exames nas escolas de economia são os mesmos, porém as respostas corretas mudam. Parece paradoxal, mas o fato é que não existe uma política econômica universal aplicável a qualquer contexto. Uma boa solução numa determinada situação pode se transformar num estorvo depois de um tempo em razão de transformações na realidade. Abundam exemplos sobre como a demora em ajustes, quando as condições se alteram, tornam contraproducentes políticas econômicas que antes eram virtuosas.
A combinação de política monetária e cambial brasileira adotada em 1994, no início do Plano Real, ilustra o fato. Num primeiro momento, a valorização cambial e os juros altos serviram para estabilizar a moeda e acelerar o crescimento. Depois de um tempo, as condições da economia mudaram, demandando ajustes. Entretanto, a insistência em manter a mesma orientação foi problemática e ocasionou a crise cambial de 1999, com danos irrecuperáveis para o crescimento e que custou ao país dezenas de bilhões de dólares -um desperdício.
A falha na política adotada em 1994 não esteve em sua concepção e implantação -um sucesso reconhecido-, mas na demora em se adaptar ao novo cenário. O que era um remédio havia se tornado um veneno.
O quadro após a crise cambial era de pressões inflacionárias, escassez de capitais, risco externo elevado, volatilidade e depreciação cambial. Uma situação em que a prescrição correta para conduzir a política monetária foi de um regime de metas de inflação, taxas de juros altas e gradualismo nas reduções dos juros.
A atuação do Banco Central foi consistente com o diagnóstico e, apesar das dificuldades, conseguiu estabilizar os preços e coordenar as expectativas de inflação, criando as condições para a retomada do crescimento.
O rigor na condução do atual regime monetário foi um avanço institucional importante que substituiu uma história de confiscos, planos econômicos mirabolantes e mudanças de moeda e impôs credibilidade à autoridade monetária.
O ponto deste artigo é que, nos últimos tempos, a realidade macroeconômica mudou rapidamente e demanda um ajuste categórico na redução de juros. É tempo de avançar. A dinâmica de juros e preços é outra, e os indicadores mostram que não há necessidade de taxas de juros tão elevadas. O processo de controlar os preços está numa outra fase. A inflação ficou abaixo da meta no ano passado, vai ficar abaixo neste e no próximo, o risco Brasil despencou, há um superávit em conta corrente e um afluxo abundante de capitais externos, a dívida pública está controlada, a volatilidade financeira está reduzida e os preços das exportações brasileiras estão em alta.
No atual cenário, as estimativas para a taxa neutra de juros estão centradas em 8,5% ao ano. Com esse valor, não haveria pressões que comprometessem o cumprimento da meta de inflação. Porém, a taxa Selic está em 12,5%. Há uma diferença de quatro pontos percentuais que origina desequilíbrios indesejáveis, como pressão adicional na valorização do câmbio, com impactos negativos na competitividade da indústria, ônus no custo do crédito, aumento nas aplicações especulativas de investidores externos e aumento da dívida pública brasileira. Enfim, há uma dissipação de crescimento. São custos que se justificam em situações de incerteza inflacionária e riscos exacerbados; não é mais o caso.
Mesmo considerando que a taxa básica está em seu valor mais baixo nas últimas décadas, continua sendo uma das mais altas do mundo, e a realidade impõe uma redução rápida. O cenário externo positivo, a maior abertura comercial e financeira, a disciplina fiscal e a inexistência de riscos inflacionários tornaram contraproducente uma taxa de juros tão elevada como a atual.
O gradualismo do Banco Central deixou de ser uma virtude e se transformou num defeito. Se os juros forem diminuídos no ritmo das últimas duas reuniões, demorará dois anos para reduzir a diferença de quatro pontos percentuais e levar a taxa ao patamar de equilíbrio.
Mesmo dobrando o ritmo, a queda demorará um ano, uma espera desnecessária e custosa. Um choque de juros neste momento não apresenta riscos e traz benefícios palpáveis à economia. O gradualismo foi um meio para estabilizar a moeda, e a estabilidade é apenas um meio para promover o crescimento e melhorar a distribuição de renda.


ROBERTO LUIS TROSTER, 56, doutor em economia pela USP, foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.

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