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Meios e fins
ROBERTO LUIS TROSTER
Mesmo considerando que a taxa básica de juros está em seu valor mais baixo nas últimas décadas, ainda é das mais altas do mundo
HÁ UMA anedota que diz que,
ano após ano, os exames nas
escolas de economia são os
mesmos, porém as respostas corretas
mudam. Parece paradoxal, mas o fato
é que não existe uma política econômica universal aplicável a qualquer
contexto. Uma boa solução numa determinada situação pode se transformar num estorvo depois de um tempo
em razão de transformações na realidade. Abundam exemplos sobre como a demora em ajustes, quando as
condições se alteram, tornam contraproducentes políticas econômicas
que antes eram virtuosas.
A combinação de política monetária e cambial brasileira adotada em
1994, no início do Plano Real, ilustra o
fato. Num primeiro momento, a valorização cambial e os juros altos serviram para estabilizar a moeda e acelerar o crescimento. Depois de um tempo, as condições da economia mudaram, demandando ajustes. Entretanto, a insistência em manter a mesma
orientação foi problemática e ocasionou a crise cambial de 1999, com danos irrecuperáveis para o crescimento e que custou ao país dezenas de bilhões de dólares -um desperdício.
A falha na política adotada em 1994
não esteve em sua concepção e implantação -um sucesso reconhecido-, mas na demora em se adaptar ao
novo cenário. O que era um remédio
havia se tornado um veneno.
O quadro após a crise cambial era
de pressões inflacionárias, escassez
de capitais, risco externo elevado, volatilidade e depreciação cambial. Uma
situação em que a prescrição correta
para conduzir a política monetária foi
de um regime de metas de inflação,
taxas de juros altas e gradualismo nas
reduções dos juros.
A atuação do Banco Central foi consistente com o diagnóstico e, apesar
das dificuldades, conseguiu estabilizar os preços e coordenar as expectativas de inflação, criando as condições
para a retomada do crescimento.
O rigor na condução do atual regime monetário foi um avanço institucional importante que substituiu uma
história de confiscos, planos econômicos mirabolantes e mudanças de
moeda e impôs credibilidade à autoridade monetária.
O ponto deste artigo é que, nos últimos tempos, a realidade macroeconômica mudou rapidamente e demanda um ajuste categórico na redução de juros. É tempo de avançar.
A dinâmica de juros e preços é outra, e os indicadores mostram que não
há necessidade de taxas de juros tão
elevadas. O processo de controlar os
preços está numa outra fase. A inflação ficou abaixo da meta no ano passado, vai ficar abaixo neste e no próximo, o risco Brasil despencou, há um
superávit em conta corrente e um
afluxo abundante de capitais externos, a dívida pública está controlada,
a volatilidade financeira está reduzida e os preços das exportações brasileiras estão em alta.
No atual cenário, as estimativas para a taxa neutra de juros estão centradas em 8,5% ao ano. Com esse valor,
não haveria pressões que comprometessem o cumprimento da meta de inflação. Porém, a taxa Selic está em
12,5%. Há uma diferença de quatro
pontos percentuais que origina desequilíbrios indesejáveis, como pressão
adicional na valorização do câmbio,
com impactos negativos na competitividade da indústria, ônus no custo
do crédito, aumento nas aplicações
especulativas de investidores externos e aumento da dívida pública brasileira. Enfim, há uma dissipação de
crescimento. São custos que se justificam em situações de incerteza inflacionária e riscos exacerbados; não é
mais o caso.
Mesmo considerando que a taxa
básica está em seu valor mais baixo
nas últimas décadas, continua sendo
uma das mais altas do mundo, e a realidade impõe uma redução rápida. O
cenário externo positivo, a maior
abertura comercial e financeira, a disciplina fiscal e a inexistência de riscos
inflacionários tornaram contraproducente uma taxa de juros tão elevada
como a atual.
O gradualismo do Banco Central
deixou de ser uma virtude e se transformou num defeito.
Se os juros forem diminuídos no
ritmo das últimas duas reuniões, demorará dois anos para reduzir a diferença de quatro pontos percentuais e
levar a taxa ao patamar de equilíbrio.
Mesmo dobrando o ritmo, a queda
demorará um ano, uma espera desnecessária e custosa. Um choque de juros neste momento não apresenta riscos e traz benefícios palpáveis à economia. O gradualismo foi um meio
para estabilizar a moeda, e a estabilidade é apenas um meio para promover o crescimento e melhorar a distribuição de renda.
ROBERTO LUIS TROSTER, 56, doutor em economia pela
USP, foi economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), da ABBC e do Banco Itamarati.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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