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TENDÊNCIAS/DEBATES
Direitos humanos e diversidade sexual
PAULO VANNUCHI
A Conferência Nacional de GLBT é um marco histórico.
É a primeira do gênero no mundo organizada por iniciativa governamental
HOJE, O Brasil dá um novo passo na consolidação da democracia e dos direitos humanos
no país. A Conferência Nacional de
Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis
e Transexuais, que acontece hoje, em
Brasília, é um marco histórico. Convocada por meio de decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assinado no dia 28/11/07, é a primeira do
gênero no mundo organizada por iniciativa governamental.
O país -que já promove em São
Paulo a maior de todas as paradas do
orgulho GLBT, com participação estimada de 3 milhões de pessoas em
2007 e 2008- coloca-se na vanguarda da discussão do combate ao preconceito e à discriminação sexual.
A exemplo das demais conferências
promovidas pelo governo federal com
movimentos da juventude, de mulheres, ambientalistas ou profissionais
da saúde, o objetivo da Conferência
Nacional de GLBT é estabelecer um
pacto democrático para a definição de
políticas públicas voltadas à população GLBT.
Por um lado, contribui com a mobilização de um setor social freqüentemente ignorado pelas autoridades.
De outro, permite a participação desse setor na formulação de políticas
encaminhadas pelo governo federal.
Elas estarão consolidadas no Plano
Nacional de Promoção da Cidadania e
Direitos Humanos de Gays, Lésbicas,
Bissexuais, Travestis e Transexuais.
Dessa forma, o governo do presidente Lula reafirma seu compromisso de tratar a questão dos direitos humanos como política de Estado.
Se o movimento GLBT avançou
muito nos últimos anos, não se pode
negar que a sociedade brasileira é ainda tisnada pela violência e pelo desrespeito aos direitos humanos por
motivo de orientação sexual ou identidade de gênero.
Estudos feitos pelo Grupo Gay da
Bahia, com base no noticiário da imprensa, afirmam que, entre 1980 e
2006, 2.745 brasileiros da comunidade GLBT foram assassinados no país
-dos quais 67% gays, 30% travestis e
transexuais e 3% lésbicas. São números aquém da realidade, já que se baseiam exclusivamente no registro jornalístico. Estima-se que, a cada três
dias, um cidadão GLBT seja assassinado no Brasil.
Um Estado democrático de Direito
não pode aceitar práticas sociais e
institucionais que criminalizem, estigmatizem ou marginalizem cidadãos por motivos de sexo, orientação
sexual ou identidade de gênero.
Observada a idade adulta e o consenso, não há fundamento legal que
coíba as práticas relativas ao livre
exercício da sexualidade. Qualquer
restrição nesse sentido fere o direito
de ir e vir, a liberdade de expressão e
de associação, a autonomia e a dignidade dessas pessoas e compromete
seu acesso à saúde, ao trabalho, à educação, ao emprego e ao lazer.
Ainda que a Constituição de 1988
tenha consagrado os princípios da
dignidade da pessoa humana, da não-discriminação e da igualdade, até hoje
nenhuma lei infraconstitucional voltada para a promoção da cidadania de
GLBT foi aprovada no Congresso
-como a existente contra o preconceito racial, por exemplo. O projeto de
lei 1.151/95, que disciplina a união civil entre pessoas do mesmo sexo, de
autoria da ex-deputada federal Marta
Suplicy, tramita há 13 anos na Casa.
Tal lacuna no nosso ordenamento
legal abre espaço para a aplicação de
normas provavelmente inconstitucionais, como o artigo 235 do Código
Penal Militar, que ainda trata como
crime a prática sexual entre militares.
A Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República coordena, desde 2004, ainda na
gestão Nilmário Miranda, o Programa Brasil Sem Homofobia, com políticas voltadas para o fortalecimento
de ONGs e instituições públicas de cidadania GLBT.
Entre suas ações está a criação de
44 centros de referência em direitos
humanos na prevenção e no combate
à homofobia, envolvendo nove núcleos de pesquisa sobre a população
GLBT em universidades federais e 28
projetos de capacitação. Os centros
dão assistência psicológica, social e
jurídica às vítimas de discriminação,
exclusão ou violência homofóbica.
A conferência de hoje terá a participação de 600 delegados escolhidos
nas conferências estaduais e municipais, ocorridas em todas as unidades
da Federação, das quais participaram
cerca de 10 mil pessoas. Tendo por tema "Direitos Humanos e Políticas
Públicas: O Caminho para Garantir a
Cidadania de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais", vai
propor as diretrizes e definir a estratégia de ação do movimento, em articulação com o poder público.
A diversidade sexual é um direito
vinculado à autonomia e à liberdade
de expressão, valores de nossa Constituição. Garanti-la é avançar na
construção de uma sociedade mais
justa, tolerante e solidária.
PAULO VANNUCHI, 58, é ministro da Secretaria Especial
de Direitos Humanos da Presidência da República.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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