|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Socialização dos benefícios
FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA
Em geral, ocorria, no Brasil, privatização dos lucros e socialização das perdas. A novidade foi que o Cepac trocou os termos da frase
FOI INAUGURADA no mês passado a bela ponte estaiada Octavio
Frias de Oliveira -homenagem
ao publisher desta Folha-, ligando a
avenida Jornalista Roberto Marinho
(antiga Água Espraiada) à marginal
Pinheiros, em São Paulo. Todos os
que trabalharam para viabilizá-la devem sentir orgulho de ter dado "uma
pequena ajuda para a cidade". Refiro-me não só aos participantes na obra
de engenharia civil, mas também aos
servidores públicos que estruturaram uma engenharia financeira para
garantir seu financiamento.
Um primeiro aspecto positivo sob o
ponto de vista institucional é que essa
operação estruturada obrigou a continuidade administrativa, garantida
por contratos e fiscalização. Iniciada
na gestão anterior da prefeitura, ela
foi concluída na de um adversário político. Outro ponto positivo é que seu
custo final de R$ 260 milhões não significou ônus para os contribuintes.
Em vez de arrecadação tributária,
utilizou-se uma nova alternativa de
captação de recursos para o financiamento do desenvolvimento urbano: o
Cepac, Certificado de Potencial Adicional de Construção. Trata-se de um
título mobiliário criado pelo Estatuto
da Cidade para possibilitar o financiamento de grandes obras previstas
em operações urbanas, sem que o
município precise utilizar recursos
vinculados ao orçamento municipal.
Ele conjuga o mercado de valores
mobiliários com o mercado imobiliário. Tendo comprado o Cepac, o investidor adquire direitos urbanísticos
adicionais nas áreas definidas pelo
programa. Nessas áreas com potencial de adensamento, o Cepac possibilita uma construção acima dos limites até então permitidos pela legislação de uso e ocupação de solo vigente,
mediante contrapartida financeira
paga à prefeitura pela compra do certificado. Como resulta em direitos
adicionais de construção apenas nas
áreas previamente aprovadas, o poder público continua mantendo total
controle do urbanismo.
Para adquirir o Cepac, não é preciso ser proprietário de terrenos nem
mesmo ter que adquirir um imóvel na
área da operação urbana. Mas, caso
venha a ser titular de imóvel no local,
poderá aumentar a área construída
ou alterar seu potencial de utilização.
Assim, o Cepac pode ser uma forma
de diversificação nos investimentos
para investidores institucionais. Eles
são comercializados em leilões públicos de papéis, com rendimento variável, atrelado à valorização imobiliária
da região em que foi executada a operação urbana. Os títulos podem ser
negociados no mercado secundário
pela Bovespa.
No caso da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, a emissora
dos Cepacs foi a Prefeitura do Município de São Paulo, sob coordenação
da Emurb. A Secretaria de Finanças
do município convidou a Caixa Econômica Federal para construir a operação estruturada, em 2003. Seguindo a norma estabelecida pela CVM,
na ocasião, a Caixa convidou outro
banco, no caso o Banco do Brasil, para
ser o coordenador da emissão.
Com a parceria entre essas duas
instituições financeiras públicas federais, nelas foram mantidos os recursos obtidos com a alienação dos
Cepacs, separados do caixa da prefeitura, em contas vinculadas, cujo titular era a Emurb.
O agente fiscalizador foi a Caixa,
sendo responsável por fiscalizar o
emprego dos recursos obtidos com a
distribuição pública de Cepac exclusivamente nas intervenções das operações urbanas consorciadas. Com
sua expertise, também acompanhou
o andamento das referidas intervenções e assegurou a suficiência e veracidade das informações que eram, periodicamente, prestadas pelo município ao mercado.
Em geral, ocorria, no Brasil, uma
privatização dos lucros e uma socialização das perdas. A grande novidade
foi que o Cepac propiciou uma privatização dos custos e a socialização dos
benefícios.
Antes, a prefeitura investia em
obras urbanas com recursos de toda a
comunidade, mas a valorização imobiliária beneficiava mais os donos das
propriedades na área que recebeu os
investimentos. Todos pagavam, mas
poucos usufruíam.
O Cepac equacionou dois problemas. Primeiro, forneceu recursos para o financiamento não tributário (e
sem endividamento) do gasto público. Segundo, absorveu, para a coletividade, a renda diferencial gerada pelo investimento governamental, tradicionalmente apropriada por segmentos do setor privado.
FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA, 56, economista, é
professor associado do Instituto de Economia da Unicamp. Foi vice-presidente da Caixa Econômica Federal e
diretor-executivo da Febraban.
fercos@uol.com.br
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Paulo Vannuchi: Direitos humanos e diversidade sexual Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|