São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

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Discriminação oficial

O Estatuto da Igualdade Racial promove um retrocesso ao definir os direitos com base na tonalidade da pele

OS ARGUMENTOS são conhecidos. O Brasil é um país fraturado por um processo colonizador assentado sobre a escravidão. Os efeitos permaneceram após a abolição e em parte se traduzem nas ínfimas taxas de acesso dos negros aos ensino superior e aos postos valorizados no mercado de trabalho. Estabelecer critérios de raça para o preenchimento de vagas nas universidades e nas empresas torna-se, como corolário, um passo decisivo na tentativa de corrigir distorções históricas.
Em linhas sumárias, é nesses termos que os defensores das políticas de cotas costumam se manifestar. E não se pode dizer que o diagnóstico seja impreciso. Segundo dados reunidos pelo Ipea em 2001, por quatro gerações em seguida, negros e pardos têm sido prejudicados no acesso a escola, salário, saúde e emprego. A relação entre cor da pele e condição social infelizmente transcende o exercício retórico e revela a perversidade dos mecanismos de exclusão que operam na sociedade brasileira.
A questão está em corrigir o prumo sem ferir os princípios republicanos inscritos na Constituição. À véspera da decisão final do Congresso a respeito dos projetos de lei de cotas e do Estatuto da Igualdade Racial, cumpre reiterar que ambos apresentam desequilíbrios estruturais e põem em risco fundamentos conquistados com dificuldade, ao longo do tempo, pela democracia brasileira. O que está em xeque é o princípio da igualdade de todos perante a lei.
A Lei de Cotas, ao tornar obrigatória a reserva de vagas para negros e indígenas nas instituições federais de ensino superior, ameaça a educação universitária. O mérito acadêmico perde espaço, e a duplicidade de critérios estimula o recrudescimento do racismo nos bancos escolares.
A prioridade do governo federal deve ser o investimento em educação fundamental e média pública, gratuita e de qualidade. O desafio a enfrentar é longo e custoso, mas sem dúvida mais efetivo do que tomar atalhos demagógicos. O Estatuto da Igualdade Racial mira mais longe, e as distorções que pode causar são ainda mais temíveis. O texto prevê uma classificação racial oficial dos cidadãos, estabelece cotas raciais no serviço público e cria privilégios para empresas privadas que usem cotas raciais para contratar funcionários.
Pelo projeto do estatuto, 20% dos servidores públicos em cargos de confiança da União -que não exigem concurso público- deverão ser compostos exclusivamente por afrobrasileiros. A meta será gradativamente ampliada "até lograr correspondência com a estrutura da distribuição racial nacional ou estadual". Seria o caso de perguntar por que outras categorias ou grupos, como judeus, orientais ou bissexuais não deveriam merecer o mesmo tratamento.
É um evidente retrocesso que se passe a definir direitos com base na tonalidade de pele dos cidadãos. A perspectiva é trágica e remete mais à famigerada política de segregação consubstanciada no Apartheid da velha África do Sul do que às motivações democráticas supostamente embutidas nos projetos.


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