São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

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ANTONIO DELFIM NETTO

O paradoxo nacional

OS PAÍSES emergentes que dependiam da importação de petróleo nos anos 70/80 entraram em crise profunda. Acumularam déficits em conta corrente que não eram mais financiáveis depois da tremenda elevação da taxa de juro nos EUA (16,4% em 1981) para combater a inflação de 13% em média nos anos 1979/80. A situação brasileira era das mais difíceis: importávamos 80% do petróleo consumido. Políticos que, agora, sem nenhum humildade, se dizem criadores de todas as coisas, enganaram a sociedade brasileira afirmando que a crise mundial de 1981/82, quando o PIB real dos EUA caiu 2% e o nível de desemprego chegou a 10%, "era obra da política econômica brasileira"...
Estatísticas posteriores confirmaram o que a mentira escondia. A economia brasileira foi a primeira do mundo emergente a voltar à tona: depois da desvalorização da moeda nacional e de grave recessão, o país eliminou o seu déficit em conta corrente em 1984. Restou, entretanto, a enorme dívida construída para manter o país funcionando com o petróleo importado, multiplicada pela incidência das maiores taxas de juros reais internacionais da história econômica mundial. A negociação dessa dívida foi, desde 1985, "empurrada com a barriga", até que o ilustre ministro Pedro Malan a completasse com sucesso em 1994.
Com enormes dificuldades políticas internas, com a construção de uma nova Constituição e sem a menor compreensão externa, o Brasil foi resolvendo penosamente os seus problemas. Voltou a crescer 5,5% em 1993/94, com equilíbrio em conta corrente. Restava um problema que parecia insolúvel: a taxa de inflação (900% ao ano no mesmo período). Ele foi enfrentado com um brilhante programa de estabilização, o Plano Real, colocado em prática ainda no governo Itamar Franco. Ele produziu FHC, e este, em duas eleições, transformou o PSDB de uma vaga idéia de uma "social democracia domesticada" num partido forte. Da mesma forma, foi a política econômica de FHC que produziu Lula. O carisma deste, por sua vez, deu ao PT a oportunidade de levar a "utopia domesticada" até onde chegou.
FHC e Lula têm em comum o fato de que não foram produtos de seus partidos. Foram eles que os transformaram em vetores de poder. A dificuldade que vivemos é que, ao resolver o drama da inflação, tornamos problemático o crescimento: a carga tributária bruta, que era de 25%, passou a 37% do PIB, e a relação dívida líquida do setor público/PIB, que era de 30%, hoje é de 51%. Paradoxalmente, o ineficiente Estado brasileiro é o único que depois de privatizar ficou maior!


dep.delfimnetto@camara.gov.br

ANTONIO DELFIM NETTO escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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