São Paulo, quarta-feira, 05 de julho de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Impostos e cidadania

RENAN CALHEIROS

A TV 29 POLEGADAS que muitos brasileiros compraram para acompanhar a Copa do Mundo com a família custou, em média, R$ 1.249. Teria custado R$ 764,40, se não fosse a batelada de impostos incluídos no preço -38%. Pior: a TV nova vai tornar mais salgada a conta de luz, na qual os tributos pesam exatos 45,80%. E a cerveja, que esquentou a torcida pelo hexa, não ficou meio amarga apenas com a derrota brasileira, mas também com a carga tributária embutida em cada latinha -56%, ou seja, R$ 0,54 em R$ 0,96.
Os cálculos são do IBPT, o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, que mostra como os impostos estão presentes em cada produto que compramos e serviço que usamos, achatando ainda mais nosso poder de compra. Não é apenas o Imposto de Renda que pesa no bolso do assalariado, nem tampouco o IPTU ou o IPVA, que, a cada ano, obrigam a classe média a apertar o cinto.
Pouca gente sabe ou se lembra que, na hora de comprar arroz, feijão, biscoito, detergente, ou qualquer outro produto de alimentação e limpeza, na hora de abastecer o carro, de pagar uma roupa, um brinquedo ou um eletrodoméstico, está deixando uma quantia razoável para os cofres estaduais, municipais e federal, na forma de ICMS, IPI, PIS, Cofins, CSLL e CPMF. As despesas com FGTS e INSS também encarecem os serviços que usamos no dia-a-dia.
O mesmo IBPT divulgou, recentemente, um dado assustador: o brasileiro trabalha quatro meses e 25 dias por ano só para pagar impostos. Sem falar que boa parte da população dá duro mais 113 dias por ano para arcar com planos de saúde e educação, entre outros serviços que deveriam ser bancados pelo Estado, exatamente com a receita dos impostos.
Nosso crescimento econômico, em 2005, ficou bem abaixo da média dos países emergentes. Nossa carga tributária, em compensação, está no patamar dos países mais desenvolvidos do mundo: 38% do PIB, ou seja, de toda nossa riqueza. O resultado é óbvio: o arrocho fiscal, que prejudica empresários e trabalhadores, freia investimentos e compromete o desenvolvimento nacional.
São motivos de sobra para justificar a importância da campanha "De Olho no Imposto", liderada por empresários paulistas. Em maio passado, representantes do movimento, tendo à frente o presidente (hoje licenciado) da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, entregaram, no Congresso Nacional, um anteprojeto de lei tornando obrigatória a discriminação de todos os impostos embutidos nos produtos e serviços oferecidos à população.


No ato da compra, a nota, cupom fiscal ou qualquer documento equivalente têm que informar quanto está sendo cobrado de tributos

O número de assinaturas do anteprojeto -1,5 milhão- dá a dimensão do alcance da proposta. Pesquisa encomendada pela Associação Comercial de São Paulo ao Ipsos/Opinion mostra que 74% dos brasileiros não sabem quanto pagam de impostos nos bens e serviços que consomem e que 93% gostariam de ser informados a respeito. Ainda segundo a pesquisa, 93% das pessoas consideram que os recursos são mal aplicados.
Pagar imposto é, certamente, um dever do cidadão. Mas saber como esses impostos estão sendo cobrados e como eles estão sendo aplicados constitui, também, um direito indiscutível do contribuinte.
O anteprojeto apresentado pelo movimento "De Olho no Imposto" é, portanto, um avanço significativo no sentido de dar mais transparência às relações entre Estado e contribuinte. Para exigir a prestação de serviços de qualidade em áreas como saúde e educação públicas, segurança e infra-estrutura, a população precisa ter consciência de tudo o que está pagando em impostos e contribuições.
Essa lição básica de cidadania está prevista, com todas as letras, no artigo 150 de nossa Constituição. Ele exige uma lei que esclareça os consumidores acerca dos impostos incidentes sobre cada mercadoria e serviço no país. A proposta entregue pelos líderes empresariais, que, como presidente do Congresso Nacional, fiz questão de subscrever, é clara: no ato da compra, a nota, cupom fiscal ou qualquer documento equivalente têm que informar quanto está sendo cobrado de tributos federais, estaduais e municipais.
Os cálculos da carga tributária que pesa sobre cada produto ou serviço devem ser realizados e fornecidos ao público, semestralmente, por instituição de âmbito nacional idônea, a ser indicada pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor, da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.
Aprovar o projeto que discrimina os impostos é medida urgente. Uma conquista importante em direção ao pleno exercício de nossa cidadania.
Se não foi desta vez que comemoramos o hexa, bem que merecemos festejar um Estado mais transparente e mais justo.

RENAN CALHEIROS, senador (PMDB-AL), é presidente do Senado Federal.

Texto Anterior: Frases

Próximo Texto: Beno Suchodolski: Os nossos homens-bomba

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.