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SERGIO COSTA
A porta assassina
RIO DE JANEIRO - Estatísticas
oficiais revelam que 502 pessoas foram mortas pela polícia do Rio nos
quatro primeiros meses do ano. São
os chamados "autos de resistência".
Dá uma média de quatro por dia,
um morto a cada seis horas. O número é 11,8% maior do que o do
mesmo período do ano passado,
que por sua vez já era 18,8% a mais
do que no ano anterior. São mortes
quase nunca apuradas, são mortos
quase sempre anônimos.
Quando acontece um grande caso, com 19 corpos numa ação policial em favela, a imprensa ainda faz
um esforço meio solitário de investigação. Tenta remontar a ação,
analisar laudos dos tiros, contar a
história das vítimas. Os casos de
menor repercussão se perdem como "fait-divers" e depois reaparecem como números para posteriores análises. Apesar do alto índice
de "autos", o governo estadual nega
que haja uma política de confronto.
Prefere chamar de "política de desarmamento". As mortes seriam
uma espécie de efeito colateral.
Numa conversa informal, um policial me disse que, quando fica no
mano a mano com um suposto marginal, mata mesmo. Ele e seus colegas agem movidos tanto pela adrenalina como pela certeza de que se
ficarem em situação de inferioridade, diante de um bandido armado,
também serão executados.
Efetuado o auto -o que muitas
vezes recebe o aplauso de parte da
sociedade, legitimando a pena de
morte no câmbio negro-, é hora de
"desfazer o local". Pegam os corpos,
embrulham num pano, jogam na
"viatura" e desovam num hospital.
Ali, entra em cena "a porta assassina", como alguns repórteres ironizam o grande clichê das notas sobre
"autos de resistência": o famoso
"morreu ao dar entrada no hospital". Um artifício que evita a perícia
e a investigação. Aliás, nem dá tempo. Outros quatro supostos já vão
morrer no dia seguinte.
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