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GUSTAVO FRANCO
Sobre lagartixas
e dragões
AS PESSOAS estão exageradamente assustadas com a inflação, a começar pelo ministro da Fazenda, e isso é muito bom.
Felizmente, exatos 14 anos depois do Plano Real, a memória do
flagelo da hiperinflação permanece
viva, ainda que embaçada. Sabe-se
que foi uma tragédia, mas apenas
os maiores de 32 anos tiveram a
chance de ver, já maiores de idade,
a criatura caminhar sobre território brasileiro. Na verdade, aqui esteve durante vários anos, quando
foi alimentada por idéias de economistas heterodoxos, como estes
que estão aboletados no Ipea, e tratada com banhos frios, feitiços e
confiscos, às vezes mais danosos
que o mal que a criatura nos causava.
A inflação acumulada em 12 meses até junho de 1994, medida pelo
IPCA, atingiu 6.432,7%. Vale refletir sobre a grandeza desse número.
Em junho de 1994, a inflação foi de
50% no mês, que equivalem a
12.875% anuais, ou cerca de 2% por
dia útil. A meta de inflação para
2007 seria a inflação de um simples
fim de semana, naqueles tempos
loucos. Um feriadão já seria suficiente para estourar a meta.
Mas a criatura desapareceu em
julho de 1994. No ano calendário
de 1997, a inflação foi de 5,2%, e em
1998 chegamos a 1,6% para o ano
inteiro, nossa melhor marca. Vida
se assentou, especialmente depois
dos sacolejos de 1999, 2002 e 2004,
que abriram várias tumbas, e expuseram diversos esqueletos que, afinal, não saíram andando e devorando as pessoas, como alguns temiam.
Diante da excitação das últimas
semanas em torno da aceleração da
inflação de 4,5% anuais para 6,0%
anuais, a primeira impressão, entre os mais velhos, é a de estamos
lidando com lagartixas e não com
dinossauros.
A presunção, talvez inocente, é
de que esses não são fabricados a
partir daquelas, mas os maiores de
50 anos sabem que a exposição
prolongada a doses regulares de
idéias econômicas radioativas podem metamorfosear animais frágeis em serpentes, que depois viram dragões. Não é muito provável,
é claro, e, por isso mesmo, o ministro da Fazenda tem razão em dizer
que não há motivo para pânico. Entretanto, esse tipo de desmentido é
uma espécie de contradição em
termos: se é preciso que o ministro
diga algo assim, é por que há motivo para pânico.
E o motivo é muito simples: o
ministro, e com ele o governo, não
mostra nenhuma convicção de que
o problema da inflação tem como
causa a política fiscal, o mesmo velho problema. Para não repetir
Milton Friedman sobre refeições
gratuitas, vale lembrar Machado
de Assis, no mesmo espírito: não se
pode ir à Glória sem pagar o bonde.
gh.franco@uol.com.br
GUSTAVO FRANCO escreve aos sábados nesta
coluna.
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