São Paulo, segunda-feira, 05 de julho de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

O ópio do povo

SÃO PAULO - Entre tantas "opiniães", como diria Guimarães Rosa, a eliminação da seleção brasileira da Copa deu vazão a dois tipos de comentários recorrentes.
O primeiro deles, emitido logo após a derrota para a Holanda, por ninguém menos que Galvão Bueno, tratava de nos lembrar que, afinal, "isso é apenas futebol", só um jogo de bola, e que a vida segue...
O segundo grupo de reações, muito frequente nas manifestações de leitores, diz, de maneira resumida, que agora, sim, podemos cuidar do que importa. Chega de farra, basta desse Carnaval de vuvuzelas -vamos cuidar da saúde, da educação, pensar nas eleições, afinal tão mais importantes.
Entre a oferta de consolo ("isso é só futebol") e o puxão de orelha ("agora chega disso"), há, em comum, a tentativa de reduzir o futebol a algo de importância menor, uma coisa "pouca séria".
Contra isso, poderíamos lembrar, como Nelson Rodrigues, que "a mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana".
Mas o ponto aqui é outro: se há um problema no futebol atual, não é a sua inconsequência, mas, pelo contrário, que ele tenha se tornado um assunto grave demais, ou distanciado demais da sua gratuidade original, dos seus aspectos lúdicos.
Isso tem a ver com o que o crítico José Miguel Wisnik chama, em seu "Veneno Remédio: o Futebol e o Brasil", de "capitalização" do jogo.
Dentro de campo, ela se traduz no "princípio do rendimento intensivo", no aumento da "margem de violência" incorporada à partida. Fora dele, está escancarada nos "interesses bilionários" que fazem do futebol o "veículo ideal da mercadoria" em escala planetária.
Ronaldo, o "fenômeno", foi até hoje o maior astro mundial desse jogo pesado. Quando as coisas desandam, ficamos com Felipe Melo. Ou diante das "faustetes", aquelas senhoras saltitantes que só faltam pular da TV para o sofá de casa a fim de nos convencer de que, além do futebol, existe o Torpedão.


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