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FERNANDO DE BARROS E SILVA
O ópio do povo
SÃO PAULO - Entre tantas "opiniães", como diria Guimarães Rosa,
a eliminação da seleção brasileira
da Copa deu vazão a dois tipos de
comentários recorrentes.
O primeiro deles, emitido logo
após a derrota para a Holanda, por
ninguém menos que Galvão Bueno, tratava de nos lembrar que, afinal, "isso é apenas futebol", só um
jogo de bola, e que a vida segue...
O segundo grupo de reações,
muito frequente nas manifestações
de leitores, diz, de maneira resumida, que agora, sim, podemos cuidar
do que importa. Chega de farra,
basta desse Carnaval de vuvuzelas
-vamos cuidar da saúde, da educação, pensar nas eleições, afinal
tão mais importantes.
Entre a oferta de consolo ("isso é
só futebol") e o puxão de orelha
("agora chega disso"), há, em comum, a tentativa de reduzir o futebol a algo de importância menor,
uma coisa "pouca séria".
Contra isso, poderíamos lembrar, como Nelson Rodrigues, que
"a mais sórdida pelada é de uma
complexidade shakespeariana".
Mas o ponto aqui é outro: se há
um problema no futebol atual, não
é a sua inconsequência, mas, pelo
contrário, que ele tenha se tornado
um assunto grave demais, ou distanciado demais da sua gratuidade
original, dos seus aspectos lúdicos.
Isso tem a ver com o que o crítico
José Miguel Wisnik chama, em seu
"Veneno Remédio: o Futebol e o
Brasil", de "capitalização" do jogo.
Dentro de campo, ela se traduz
no "princípio do rendimento intensivo", no aumento da "margem de
violência" incorporada à partida.
Fora dele, está escancarada nos
"interesses bilionários" que fazem
do futebol o "veículo ideal da mercadoria" em escala planetária.
Ronaldo, o "fenômeno", foi até
hoje o maior astro mundial desse
jogo pesado. Quando as coisas desandam, ficamos com Felipe Melo.
Ou diante das "faustetes", aquelas
senhoras saltitantes que só faltam
pular da TV para o sofá de casa a
fim de nos convencer de que, além
do futebol, existe o Torpedão.
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