São Paulo, terça-feira, 05 de julho de 2011

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Apagão histórico

Até a regra atual para sigilo de documentos oficiais vem sendo descumprida pelo governo, que assim preserva os vícios do regime militar

Na ditadura militar, o famigerado SNI (Serviço Nacional de Informações) instituiu-se como um governo dentro do governo, com excesso de poderes e autonomia. O desmantelamento desse aparelho nos últimos 26 anos, porém, permanece incompleto.
Isso fica evidente na resistência a reformar uma cultura segredista incompatível com a democracia. O SNI há muito deixou de existir, mas não a mentalidade que trazia na medula e ainda parasita órgãos como o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência e os centros de inteligência da Aeronáutica (Cisa), do Exército (CIE) e da Marinha (Cenimar).
Resiste-se ao encurtamento de prazos para divulgação de documentos classificados, ora em debate no Congresso (onde ainda pode ser aprovada a renovação sucessiva do segredo que ficou conhecida como "sigilo eterno"), e também a cumprir as regras vigentes. Pela legislação atual, há quatro categorias de sigilo: documentos ultrassecretos (protegidos por, no máximo, 60 anos), secretos (máximo de 40), confidenciais (20) e reservados (10).
Todos deveriam tornar-se disponíveis no Arquivo Nacional de modo automático após tais prazos. Não é o que ocorre hoje com os confidenciais e reservados.
Como mostrou ontem a Folha, nenhum documento posterior a 1990 chegou ao Arquivo Nacional. Trata-se de uma extensão indevida do prazo de sigilo para documentos dos governos Fernando Collor, Itamar Franco e FHC.
Especula-se que os relatórios sigilosos contenham dados sobre o programa nuclear brasileiro, terrorismo internacional e atividades de organizações não governamentais estrangeiras na Amazônia. Quase nada se sabe de concreto sobre eles, no entanto.
Nem a quantidade e a natureza dos papéis são conhecidas. Em evidente abuso da faculdade de ocultar do público atos de governo, órgãos de inteligência incluem no sigilo as próprias condições de descumprimento de normas sobre sigilo. Uma justificativa digna das obras de Franz Kafka.
Seja por razões de segurança nacional, seja para proteger a privacidade de pessoas envolvidas, um governo pode e deve lançar mão do segredo. O sigilo, porém, não pode ser eterno, como se cogita, nem sua manutenção ser deixada ao arbítrio exclusivo de servidores civis ou militares.
Um governo autoritário, como os do período 1964-1985, arroga-se o poder de escrever, manipular e censurar a história, mas a generalização das exceções ao princípio da publicidade abala um dos pilares do regime democrático.


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