|
Próximo Texto | Índice
Negligência e farsa
Invertem-se os atores em cena: incompetentes de agora reagem mal a uma estridência que possuíam de sobra no passado
NO FINAL da tarde de
quarta-feira passada,
uma ponte desabou
sobre o rio Mississippi, no Estado americano de Minnesota; calcula-se entre 20 e 65 o
número das pessoas desaparecidas na tragédia. Investigam-se
agora suas causas; haverão de ser
múltiplas, como é habitual em
fatalidades desse tipo.
A possibilidade de que diversos
fatores tenham contribuído para
o acidente não torna insensata,
fora de contexto nem desonesta
a opinião de especialistas norte-americanos, transcrita em reportagem da Folha na sexta-feira, que destacam a negligência
das autoridades de seu país com
obras de infra-estrutura.
Não há notícia de que críticas
desse gênero tenham sido consideradas fruto de alguma articulação golpista contra o presidente dos Estados Unidos ou o governador do Minnesota.
Quaisquer que tenham sido
suas causas específicas, o acidente com o avião da TAM em
Congonhas veio intensificar as
mais profundas e justificadas inquietações da opinião pública
com relação à segurança do tráfego aéreo no Brasil. Meses seguidos de exasperação e pane
nos aeroportos do país não despertaram, por parte do governo
federal, nada além de um costumeiro espetáculo de inoperância, leviandade, diversionismo e
desencontro.
Só depois do acidente em Congonhas o governo federal resolveu tomar atitudes mais claras
no enfrentamento do colapso
aéreo. Ainda que tacitamente,
por fim reivindica sobre si mesmo um conjunto de responsabilidades que, entre acessos persecutórios e comemorações obscenas, alguns de seus correligionários insistem em renegar.
As críticas ao caos aéreo passam a ser caracterizadas, no discurso petista, como atos de conspiração política. É assim que a
acusação de "golpismo" se torna
álibi para a clamorosa incompetência do governo nesse setor.
Por certo, o descaso com a infra-estrutura não surgiu na atual
administração. Durante o governo FHC, o apagão energético
municiou os ataques da oposição, que legitimamente cumpria
o seu papel. Invertem-se os atores em cena, os omissos da véspera são os acusadores de hoje, e
os incompetentes de agora reagem mal a uma estridência que
possuíam de sobra no passado.
Sem perder a antiga arrogância, mas já destituído de requisitos morais mínimos para ostentá-la, o PT adota mais uma vez o
roteiro farsesco de dizer-se "vítima das elites". De dedo em riste,
os aliados de Renan Calheiros,
de Paulo Maluf e Fernando Collor denunciam "conspirações de
direita" supostamente renovadas pelo acidente da TAM.
Perdidas todas as suas utopias,
abandonados todos os seus compromissos programáticos, preservam-se numa espécie de delírio compensatório, feito daquilo
que, sem dúvida, sempre tiveram de mais entranhado em sua
tradição política: o jargão inquisitorial, o oportunismo dos argumentos, a negação dos fatos, o
inconformismo com os valores
da democracia e da liberdade.
Próximo Texto: Editoriais: Dinamismo fabril Índice
|