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RUY CASTRO
A face da cidade
RIO DE JANEIRO - Uma exposição dedicada ao arquiteto modernista francês Le Corbusier (1887-1965), em cartaz na cidade, enfatiza
sua obra "da maturidade" -projetos, desenhos e esculturas produzidos de 1945 em diante-, tentando
mostrar que, nos últimos anos, ele
atenuou a onipotência que, um dia,
ao sobrevoar o Rio, o levara a querer
competir com o Pão de Açúcar.
Le Corbusier passou duas temporadas entre nós, em 1929 e em 1936.
Em ambas, apresentou projetos
que, se realizados, alterariam a face
da cidade. Sua ideia fixa era a construção de "edifícios-viadutos": prédios de 15 andares, tipo minhocão,
equilibrados sobre pilotis altíssimos e com as pistas para carros correndo por cima deles. Ideia de jerico, como se vê.
Essas centopeias com quilômetros de extensão cortariam toda a
cidade, serpenteando paralelamente à orla, esgueirando-se por Laranjeiras, Tijuca e Méier, desmontando morros e aterrando espelhos d'água -como ele propôs fazer com a
lagoa Rodrigo de Freitas, ao descobrir que ela se pusera no caminho.
Que tal o Rio não à beira-mar, mas
debaixo de um viaduto?
Enquanto esteve por aqui, Le
Corbusier não teve olhos para os
excitantes edifícios art déco que já
se construíam em Copacabana nos
anos 20, nem para nossa arquitetura colonial e neoclássica. Percebeu
a acachapante beleza natural do Rio
ao vê-la de avião, mas, lá de cima, só
conseguia pensar em como seria
fascinante para ele, como arquiteto,
"jogar uma partida com -ou contra- aquela natureza".
É bom saber que, já idoso, Le Corbusier se humanizou. Mas, pelo visto, se esqueceu de transmitir essa
humanização a seus discípulos, que
continuaram à solta e nunca se cansaram de tentar fazer de cada cidade algo parecido com um conjunto
habitacional. Em Brasília, conseguiram.
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