São Paulo, quinta-feira, 05 de setembro de 2002

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OTAVIO FRIAS FILHO

Depois de um ano

Os ataques terroristas contra Nova York e Washington, passado quase um ano, não revestiam, afinal, a importância histórica que todo mundo chegou a vislumbrar então. Permanecem, como evento singular, assombroso, na condição de maior atentado da história. Mas ninguém pensa que assinalem uma mudança de época, nem mesmo uma alteração em seus rumos predominantes.
O esvaziamento das expectativas derivou da própria singularidade daquele atentado, ao qual não se seguiram outros. Não houve, ao menos até agora, uma generalização do confronto nem se pode dizer que o panorama geopolítico tenha mudado, exceto pelo evidente agravamento da guerra palestino-israelense e pela elevação do atrito entre Índia e Paquistão.
Várias previsões em curso após o 11 de setembro se mostraram erradas. Não houve sublevações em países islâmicos contra seus governos pró-ocidentais. A campanha no Afeganistão não se revelou novo Vietnã. Os americanos conseguiram decepar o Estado que fornecia logística à rede terrorista e parecem tê-la desbaratado, mesmo que temporariamente.
Não houve um surto de xenofobia nos Estados Unidos, onde certo multiculturalismo já fincou raízes profundas demais para ser abalado. Houve o esperado surto patriótico, que deu a George Bush sua vitória "em segundo turno" e vem legitimando uma diplomacia agressiva, obcecada por um só tema e cada vez mais unilateral, conforme a memória dos atentados se vai.
Houve, no saldo de prós e contras, aumento ou perda de poder por parte dos Estados Unidos? A resposta talvez seja um diplomático sim e não. Os ataques "inventaram" uma nova e terrível vulnerabilidade, cuja repetição ninguém pode prevenir com certeza. O preço psicológico cobrado por essa ameaça diminui com a rotina diária, mas não vai desaparecer tão cedo.
Por outro lado, os Estados Unidos ampliaram o seu leque de alianças e condescendências, colocam a Europa em permanente dilema hamletiano, obtiveram a capitulação final da Rússia e reduziram o raio de ação da China. É provável que tenham aumentado sua influência no mundo islâmico, apesar das novas gerações de admiradores de Bin Laden.
Como sua agenda diplomática se reduziu quase a um só ponto, subordinaram toda a sua ação a esse objetivo, fazendo aqui concessões de natureza econômica em troca de apoio, aliando-se ali com antigos adversários. Ao adotarem uma política amigável para com o Paquistão, deram ensejo a mais uma das ondas de conflito com a Índia, habituais entre esses dois maus vizinhos.
A piora na crise palestina parece ter seguido uma dinâmica própria, especialmente irracional. O interesse norte-americano seria pressionar duramente Israel e forçá-lo de uma vez à paz a fim de estancar um dos focos da maré antiamericana. Interesse coincidente com o da maioria dos países árabes, desmentido, porém, pelo terrorismo aberto, diário, que assola a região.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.



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