São Paulo, quinta-feira, 05 de setembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Caso Olivetto atrai crime organizado

ISABEL VINCENT

A recente decisão no caso Washington Olivetto envia uma mensagem clara aos criminosos de todo o mundo, e ela se parece com um prospecto de agência de viagens para atrair o crime organizado ao Brasil. "Venham ao Brasil, o paraíso dos sequestradores. Se você for apanhado em flagrante, não se preocupe, diga ao juiz que pertence a um grupo político extremista e escapará impune".
Isso não fica muito longe do que aconteceu com os sequestradores condenados por esse crime -quatro chilenos, um argentino e um colombiano-, caso a recente decisão do juiz Kenarik Boujikian Fellipe seja sustentada pelo Supremo Tribunal Federal brasileiro.
No mês passado, os sequestradores disseram ao juiz que presidia o seu julgamento que estavam preocupados com a justiça social e que haviam sequestrado e aprisionado Olivetto por 53 dias em uma sala pouco maior que um armário porque se importavam com os pobres da América Latina. Como Robin Hood, eles planejavam distribuir o dinheiro do resgate a pobres não identificados em toda a região, alegaram.
Eu não assisti ao julgamento, mas, como jornalista que cobriu sequestros importantes na América Latina ao longo da maior parte da década passada, já ouvi tudo isso antes. Não acredito no que eles dizem, e o público brasileiro não deveria acreditar tampouco.
Já se argumentou nessas páginas que o líder chileno da quadrilha envolvida no caso Olivetto, Mauricio Hernandez Norambuena, condenado por assassinato em seu país natal e fugitivo da Justiça, pertence a um grupo terrorista, não muito conhecido, que professa uma confusa ideologia marxista já anacrônica que não é levada a sério pelos esquerdistas de nenhuma parte do mundo.
Em outras palavras, não se trata de um grupo político viável, e o sequestro de Olivetto não é um crime com motivação política. Em minha opinião, Norambuena e seus sequazes são pouco mais que mafiosos mambembes que, de acordo com as informações disponíveis, passaram mais de um ano organizando o sequestro de Olivetto, com o propósito único de enriquecer.


Espero que, desta vez, o sistema judiciário brasileiro entenda a ação dos sequestradores pelo que de fato foi


Os que discordam dessa interpretação fariam bem em recordar os acontecimentos que cercaram o sequestro do magnata dos supermercados Abílio Diniz, em 1989, por membros da mesma organização amorfa que capturou Olivetto.
A polícia de São Paulo já traçou comparações assustadoras entre os dois casos. Não só os métodos dos sequestradores se assemelham em ambos os crimes -eles se comunicavam com as vítimas por meio de uma lista de regras colada na parede das celas improvisadas e alugaram casas seguras em bairros de classe média de São Paulo-, como a polícia acredita agora que os sequestradores de Olivetto sejam os homens que não foram capturados depois do sequestro de Diniz.
No caso de Diniz, os sequestradores condenados -que incluíam dois compatriotas meus, dois chilenos, dois argentinos e um brasileiro- ofereceram o mesmo argumento amorfo sobre doar dinheiro aos pobres a fim de sustentar sua defesa, a de que participavam de um crime político. Mas o sistema judicial brasileiro na época reconheceu o crime pelo que era -extorsão e tortura- e, depois de uma apelação, aplicou aos condenados a sentença máxima, 28 anos de prisão.
Mas, cedendo a pressões diplomáticas -boa parte das quais advindas de meu governo-, o sistema judiciário brasileiro cometeu o imenso erro de permitir que a maior parte dos estrangeiros cumprisse suas sentenças em seus países natais, sob um tratado de troca de prisioneiros.
No caso dos dois canadenses, Christine Lamont e David Spencer, eles receberam liberdade condicional no Canadá há algum tempo e estão livres, para todos os propósitos práticos. Durante os poucos meses que estiveram detidos no Canadá, cumpriram suas penas em condições de colônia de férias na Colúmbia Britânica, uma região de imensa beleza, cercada de montanhas e florestas.Calculo que restem a ambos pelo menos 18 anos de sentença a cumprir.
Sete anos atrás, quando os dois canadenses estavam ainda detidos em São Paulo, escrevi um livro sobre o sequestro de Abílio Diniz que expunha, entre outras coisas, as mentiras contadas pelos sequestradores canadenses e pelo meu governo para tirá-los da cadeia no Brasil.
Entre outras coisas, os dois canadenses alegavam que eram trabalhadores de direitos humanos e não sabiam do sequestro de Diniz, ou que a vítima estava presa no porão de sua casa em São Paulo, mesmo que David Spencer tenha adquirido os materiais usados para construir a cela de Diniz.
Os pais de Christine Lamont, que pagaram mais de US$ 200 mil a um profissional de lobby para tirar sua filha da cadeia, pressionaram tanto o governo canadense que os dois presos se tornaram a mais importante questão bilateral entre o Brasil e o Canadá no começo dos anos 90.
Em retrospecto, pode parecer difícil crer que a maior parte das pessoas em meu país acreditava na inocência deles e em severidade excessiva de parte da Justiça brasileira. Meus colegas na imprensa mesmo praticamente me lincharam em artigos e atacaram meus argumentos, todos os quais baseados em provas diretas apresentadas ao tribunal em São Paulo e em depoimentos de David e Christine.
Nenhum membro do governo canadense quis conversar comigo depois da publicação do meu livro, e o jornal para o qual eu trabalhava na época se recusou a comentar o caso.
Quando voltei para o Canadá, do Rio de Janeiro, onde havia trabalhado como chefe da sucursal latino-americana do "Globe and Mail", o jornal me deu um cargo cobrindo notícias policiais em Toronto, como recompensa ou castigo (ainda não estou certa quanto a isso) pelo meu trabalho no caso Diniz.
Cerca de um ano depois que meu livro foi lançado no Canadá e no Brasil, David e Christine confessaram o sequestro de Diniz e mudaram sua história. Eles não estavam no Brasil levantando dinheiro para os pobres, como alegavam originalmente. O resgate de Diniz, que nunca foi pago, seria destinado aos rebeldes de El Salvador, que combatiam em uma guerra civil naquela época. De sua parte, os rebeldes salvadorenhos, muitos dos quais são agora políticos legítimos em seu país, negaram conhecer David e Christine e o grupo que supostamente sequestrou Abílio Diniz em seu benefício.
Suspeito que o mesmo valha para os criminosos marxistas que participaram do sequestro de Olivetto -que eles se esconderam por trás da política com o propósito único de reduzir sua sentença caso fossem apanhados. Espero que, desta vez, o sistema judiciário brasileiro entenda a ação dos sequestradores pelo que de fato foi e não compre a história canhestra sobre a distribuição de dinheiro aos pobres. E, caso o tribunal de apelação brasileiro lhes dê a sentença máxima por sequestro, desta vez eles a deveriam cumprir no Brasil.
Qualquer coisa a menos seria um insulto à Justiça brasileira e daria aos criminosos estrangeiros carta branca para operar em território brasileiro.


Isabel Vincent, jornalista, autora de "Uma Questão de Justiça" (Editora Record, 1995), é correspondente internacional do jornal canadense "National Post".



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