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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Surge o agente
O BRASIL passou nessas últimas décadas por mudança
decisiva e desconhecida.
Aproveitar o potencial dessa mudança deveria ser -e ainda não é-
a pauta da política brasileira e a
preocupação da cultura brasileira.
A mudança foi o surgimento, ao
lado da classe média tradicional, de
nova classe média. Surgiu de baixo,
"morena". Sua grande obra é a
construção de cultura de auto-ajuda e de iniciativa. Estuda à noite na
tentativa de aprimorar-se, ainda
que com instrumentos rudes. Luta
para abrir ou sustentar um pequeno negócio ou para subir dentro de
uma empresa. Participa de novas
igrejas e associações. Cultua o esforço, o merecimento, a palavra dada. É intolerante com os desvios.
Entusiasma-se com a superação da
pobreza e com todos os sinais do
êxito. Descrê da vida pública. Tende a refugiar-se dentro de pequenos mundos sociais que contrastam com a cultura que seus construtores sentem predominar na sociedade à sua volta.
A importância do advento desse
novo agente social resulta da combinação de duas circunstâncias.
Rebela-se ele contra o misto de troca, prepotência e lealdade -a sentimentalização das trocas desiguais- que foi sempre a fórmula
característica das relações sociais
no Brasil. E ele já está no comando
do imaginário popular, porque é
visto pela massa pobre como vanguarda a seguir.
Quem quiser mudar o Brasil no
período que começa terá de responder às aspirações desses emergentes e da maioria que a elegeu
como mentora. Por enquanto, a
combinação do financismo com o
assistencialismo é a fórmula do poder no Brasil: ganhar a confiança
dos ricos e aliviar o sofrimento dos
pobres. É, mas não será. O futuro
pertencerá a quem trabalhar por
modelo de desenvolvimento apoiado na democratização das oportunidades econômicas e educativas.
Modelo que tenha por pressuposto
uma política reconstruída para resistir à influência corruptora do dinheiro.
Nem tudo são rosas e reformas
nesse caminho. Há, ao lado da tarefa institucional, tarefa espiritual a
cumprir. A tentação que ronda a
cultura protagonizada, em nome
da maioria, pelos emergentes é a de
contentar-se com a vitória dos esforçados e com os atrativos da riqueza, entregando-se ao egoísmo
familiar e à autocomplacência materialista. Não prestará a transformação se não se reger por impulso
profético em direção ao resgate de
todos. E enquanto não tivermos
feito de nossos corações de pedra
corações de carne. Seremos república de cidadãos quando formos
nação de profetas.
www.law.harvard.edu/unger
ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.
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