São Paulo, terça-feira, 05 de setembro de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Surge o agente

O BRASIL passou nessas últimas décadas por mudança decisiva e desconhecida.
Aproveitar o potencial dessa mudança deveria ser -e ainda não é- a pauta da política brasileira e a preocupação da cultura brasileira.
A mudança foi o surgimento, ao lado da classe média tradicional, de nova classe média. Surgiu de baixo, "morena". Sua grande obra é a construção de cultura de auto-ajuda e de iniciativa. Estuda à noite na tentativa de aprimorar-se, ainda que com instrumentos rudes. Luta para abrir ou sustentar um pequeno negócio ou para subir dentro de uma empresa. Participa de novas igrejas e associações. Cultua o esforço, o merecimento, a palavra dada. É intolerante com os desvios.
Entusiasma-se com a superação da pobreza e com todos os sinais do êxito. Descrê da vida pública. Tende a refugiar-se dentro de pequenos mundos sociais que contrastam com a cultura que seus construtores sentem predominar na sociedade à sua volta.
A importância do advento desse novo agente social resulta da combinação de duas circunstâncias. Rebela-se ele contra o misto de troca, prepotência e lealdade -a sentimentalização das trocas desiguais- que foi sempre a fórmula característica das relações sociais no Brasil. E ele já está no comando do imaginário popular, porque é visto pela massa pobre como vanguarda a seguir.
Quem quiser mudar o Brasil no período que começa terá de responder às aspirações desses emergentes e da maioria que a elegeu como mentora. Por enquanto, a combinação do financismo com o assistencialismo é a fórmula do poder no Brasil: ganhar a confiança dos ricos e aliviar o sofrimento dos pobres. É, mas não será. O futuro pertencerá a quem trabalhar por modelo de desenvolvimento apoiado na democratização das oportunidades econômicas e educativas.
Modelo que tenha por pressuposto uma política reconstruída para resistir à influência corruptora do dinheiro.
Nem tudo são rosas e reformas nesse caminho. Há, ao lado da tarefa institucional, tarefa espiritual a cumprir. A tentação que ronda a cultura protagonizada, em nome da maioria, pelos emergentes é a de contentar-se com a vitória dos esforçados e com os atrativos da riqueza, entregando-se ao egoísmo familiar e à autocomplacência materialista. Não prestará a transformação se não se reger por impulso profético em direção ao resgate de todos. E enquanto não tivermos feito de nossos corações de pedra corações de carne. Seremos república de cidadãos quando formos nação de profetas.
www.law.harvard.edu/unger


ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.


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