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CLÓVIS ROSSI
Futura saudade do presente
SÃO PAULO - Quando nasci, a família morava na rua Condessa de
São Joaquim, no Bixiga, então reduto da comunidade italiana. O sobradinho ficava quase ao lado do
campinho do Éden F.C.. Um dia, como diria Adoniran Barbosa, os homens vieram e passaram a avenida
23 de Maio por cima do campinho
de terra batida.
Admito que a perda não me emocionou. Primeiro, porque já não
morava no Bixiga. Segundo, porque era um orgulho receber a primeira via expressa da história da cidade, uma "freeway" como as que
víamos nos filmes americanos. Se a
expressão já tivesse sido criada, diríamos que era chique no último.
Seria a solução definitiva para o
que, a bem da verdade, nem era
realmente um problema, a ligação
centro-zona Sul.
Na sexta-feira, 43 anos depois da
inauguração, dava para ver que a
23 de Maio não é mais "free" nem
"way". Nem mesmo um "wayzinho" mixuruca. Parecia muito mais
um colossal pátio de estacionamento: na pista bairro-cidade, os
carros estavam completamente parados até onde a vista alcançava.
No sentido inverso, os carros se arrastavam pelo asfalto a cinco quilômetros por hora.
Preso na ratoeira motorizada, lutei comigo mesmo para evitar soltar
uma frase que os argentinos adoram, aquela que diz "todo tiempo
pasado fue mejor". Não é verdade,
claro, se tomada a evolução da humanidade nos últimos 50 anos. Mas
é óbvio que era muito mais saudável jogar bola no campinho do Éden
do que ficar parado na avenida que
o substituiu.
Pior: deu medo de ficar com saudades do presente, num futuro próximo, se eu chegar a ele. Não há novas 23 de Maio a rasgar em São Paulo, cada estação do metrô que se
inaugura já nasce afogada em uma
pilha de novos carros em circulação. Pelo menos no trânsito paulistano, parece evidente que "todo
tiempo futuro será peor".
crossi@uol.com.br
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