São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2010

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CLÓVIS ROSSI

Futura saudade do presente

SÃO PAULO - Quando nasci, a família morava na rua Condessa de São Joaquim, no Bixiga, então reduto da comunidade italiana. O sobradinho ficava quase ao lado do campinho do Éden F.C.. Um dia, como diria Adoniran Barbosa, os homens vieram e passaram a avenida 23 de Maio por cima do campinho de terra batida.
Admito que a perda não me emocionou. Primeiro, porque já não morava no Bixiga. Segundo, porque era um orgulho receber a primeira via expressa da história da cidade, uma "freeway" como as que víamos nos filmes americanos. Se a expressão já tivesse sido criada, diríamos que era chique no último.
Seria a solução definitiva para o que, a bem da verdade, nem era realmente um problema, a ligação centro-zona Sul.
Na sexta-feira, 43 anos depois da inauguração, dava para ver que a 23 de Maio não é mais "free" nem "way". Nem mesmo um "wayzinho" mixuruca. Parecia muito mais um colossal pátio de estacionamento: na pista bairro-cidade, os carros estavam completamente parados até onde a vista alcançava. No sentido inverso, os carros se arrastavam pelo asfalto a cinco quilômetros por hora.
Preso na ratoeira motorizada, lutei comigo mesmo para evitar soltar uma frase que os argentinos adoram, aquela que diz "todo tiempo pasado fue mejor". Não é verdade, claro, se tomada a evolução da humanidade nos últimos 50 anos. Mas é óbvio que era muito mais saudável jogar bola no campinho do Éden do que ficar parado na avenida que o substituiu.
Pior: deu medo de ficar com saudades do presente, num futuro próximo, se eu chegar a ele. Não há novas 23 de Maio a rasgar em São Paulo, cada estação do metrô que se inaugura já nasce afogada em uma pilha de novos carros em circulação. Pelo menos no trânsito paulistano, parece evidente que "todo tiempo futuro será peor".

crossi@uol.com.br


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