São Paulo, Domingo, 05 de Setembro de 1999
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ESCOLA PÚBLICA E DEMAGOGIA

O Senado acaba de reservar 50% das vagas das universidades públicas para estudantes que fizeram seus cursos fundamental e médio apenas em escolas públicas. Resta a aprovação da Câmara para que a criação de cotas no ensino superior e uma benevolência demagógica se tornem lei.
A reação imediata diante desse tipo de iniciativa é lembrar aos parlamentares que universidade é centro de excelência, de formação dos melhores e mais capacitados quadros do país. Mas apenas esse argumento não mostra quão desinformada é a atitude dos que defendem tal medida.
Na justificação do projeto senatorial, alega-se que a lei é "medida de ação afirmativa" que quer "atenuar a discriminação imposta às camadas mais pobres". Apenas 45% dos alunos das universidades federais viriam de escolas públicas, justificam. Os senadores poderiam até acenar com dados de duas das melhores universidades do Brasil, USP e Unicamp, nas quais apenas 25% dos aprovados no vestibular em 98 cursaram o ensino médio em escola do Estado.
Um exame em detalhe da questão revela as inconsistências do projeto. Por que as vagas serão reservadas apenas aos que fizeram integralmente seus estudos na escola pública? Quem a duras penas teve estudos pagos por um ou dois anos em uma barata e ineficaz escola privada, que há aos milhares, deve ser excluído?
É uma minoria seleta de grandes escolas privadas que coloca seus alunos nas melhores universidades. Mesmo assim, 20% dos estudantes da Unicamp provêm de famílias com rendimento inferior a dez salários mínimos. Embora a grande maioria dos brasileiros tenha renda inferior a essa, ainda assim ela não basta para pagar mensalidades de escolas de elite.
De resto, vestibulandos bem-sucedidos de escolas públicas cursaram estabelecimentos que muita vez estão em bairros de classe média, cujos pais têm boa formação educacional, auxiliam as escolas até com dinheiro e participam da comunidade escolar. São poucos os de fato pobres que furam a barreira da "discriminação", como justifica o projeto do Senado.
Alguma aritmética pode dar ainda a medida da inocuidade do projeto de cotas, ademais se considerada a ambição de propósitos senatorial. Com a nova lei, aumentaria em 7.000 o número de alunos de escolas públicas na USP, na Unicamp e nas instituições federais, que matriculam por ano 107 mil novos alunos, de resto em detrimento de estudantes mais preparados. Vale lembrar ainda que são 5 milhões os que cursam o ensino médio público. Segundo o MEC, 53% estão atrasados nos estudos. Apenas 25% dos brasileiros em idade de estudar no ensino médio estão em escolas desse nível de instrução.
Em 1999, 27% dos novos alunos da USP vieram de escola pública. Há cinco anos, eles eram 32%. Há 20 anos, eles foram 57%. Os ainda poucos brasileiros que chegam ao ensino médio público estudam em escolas cujo nível claramente se degrada. Parece evidente que o enfoque sério do problema deve ser o da melhoria da educação pública. Reservar cotas para estudantes do Estado não ataca o problema, mas pode reservar votos para os defensores de tal projeto.



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