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RAZÃO E RETÓRICA DE FHC
É possível enfim concordar com
uma avaliação do presidente sobre
seu governo. Ao comentar o entrevero
entre Clóvis Carvalho e Pedro Malan,
o porta-voz de Fernando Henrique
Cardoso afirmou que "o presidente
qualificou de retóricas essas diferenças de ênfase" dos ministros; disse
não haver divergências no ministério,
pois FHC não as permitiria.
A avaliação presidencial vai ao cerne
do problema. Tudo não passa de retórica, pois a falta de interesse ou vocação do governo para questões de desenvolvimento não deriva deste ou daquele ministro, mas da ausência de
uma agenda de desenvolvimento.
Em suma, o presidente deixou claro
que é ele o fiador da política econômica que, para muitos, é desconectada
de perspectivas de longo prazo.
São de responsabilidade presidencial, diante da qual os ministros apenas tecem comentários retóricos, as
decisões tomadas sempre sob a pressão das circunstâncias ou dos que
têm mais poder de pressão, como nos
benefícios a montadoras de automóveis ou na renegociação de dívidas estaduais (postas sob suspeita pelos técnicos do próprio Banco Central).
É de responsabilidade presidencial a
manutenção, por meses a fio, da
aposta cambial, sob cuja sombra se
patrocinou intensa fuga de capitais.
Foi o governo que, após o Real, sancionou uma bolha de consumo, aparentemente com fins eleitorais.
Emana do presidente, e tudo o mais
é retórica, o tíbio conjunto de políticas sociais. Foi sob seus auspícios que
uma abertura comercial unilateral vista por muitos como desmedida afetou empresas e aumentou o desemprego. Talvez não passe de retórica a
revisão que a diplomacia brasileira
ora professa -o endurecimento nas
relações comerciais com os EUA, o
Mercosul e a União Européia.
Seria inútil buscar fora do Planalto
os responsáveis pela fragilidade das
agências reguladoras, que deveriam
zelar pela qualidade dos serviços públicos prestados por empresas privatizadas. Foi o presidente que avalizou
a transformação do BNDES e de fundos de pensão de estatais em agentes
financiadores da privatização. Assim
como, agora, permite que o BNDES
empreste para empresas grandes, em
setores como o petroquímico, a fim
de facilitar a conglomeração. Tal prioridade é no mínimo discutível, quando estão asfixiados tantos setores e
empresas de menor porte.
Repousa enfim sobre o presidente a
responsabilidade pela tibieza das relações com a base parlamentar, até
agora incapaz de cerrar fileiras em
torno de reformas estruturais que, essas sim fundamentais, esbarram em
privilégios acumulados e numa burocracia que resiste à mudança.
É por (falta de) iniciativa do presidente, enfim, que o ajuste fiscal se faz
à custa de remendos, aumentos de
impostos e prorrogação de tributos
temporários, em vez de apoiar a reforma tributária ampla, por exemplo.
É óbvio que não pode haver desenvolvimento econômico, a não ser como exercício retórico, quando não há
políticas comerciais, quando o Estado apenas distribui favores ao sabor
das pressões setoriais casuístas,
quando a política econômica é sempre passiva, tributária das condições
externas de financiamento.
Mas é ridículo esperar que a superação dessa catatonia possa brotar do
contraponto oratório entre ministros.
É o presidente quem parece advertir: o
impasse brasileiro é mantido por
mim. O resto é retórica, detalhes ou
nuanças de uma radical indisposição
para construir e ousar.
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