São Paulo, Domingo, 05 de Setembro de 1999
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RAZÃO E RETÓRICA DE FHC

É possível enfim concordar com uma avaliação do presidente sobre seu governo. Ao comentar o entrevero entre Clóvis Carvalho e Pedro Malan, o porta-voz de Fernando Henrique Cardoso afirmou que "o presidente qualificou de retóricas essas diferenças de ênfase" dos ministros; disse não haver divergências no ministério, pois FHC não as permitiria.
A avaliação presidencial vai ao cerne do problema. Tudo não passa de retórica, pois a falta de interesse ou vocação do governo para questões de desenvolvimento não deriva deste ou daquele ministro, mas da ausência de uma agenda de desenvolvimento.
Em suma, o presidente deixou claro que é ele o fiador da política econômica que, para muitos, é desconectada de perspectivas de longo prazo.
São de responsabilidade presidencial, diante da qual os ministros apenas tecem comentários retóricos, as decisões tomadas sempre sob a pressão das circunstâncias ou dos que têm mais poder de pressão, como nos benefícios a montadoras de automóveis ou na renegociação de dívidas estaduais (postas sob suspeita pelos técnicos do próprio Banco Central).
É de responsabilidade presidencial a manutenção, por meses a fio, da aposta cambial, sob cuja sombra se patrocinou intensa fuga de capitais. Foi o governo que, após o Real, sancionou uma bolha de consumo, aparentemente com fins eleitorais.
Emana do presidente, e tudo o mais é retórica, o tíbio conjunto de políticas sociais. Foi sob seus auspícios que uma abertura comercial unilateral vista por muitos como desmedida afetou empresas e aumentou o desemprego. Talvez não passe de retórica a revisão que a diplomacia brasileira ora professa -o endurecimento nas relações comerciais com os EUA, o Mercosul e a União Européia.
Seria inútil buscar fora do Planalto os responsáveis pela fragilidade das agências reguladoras, que deveriam zelar pela qualidade dos serviços públicos prestados por empresas privatizadas. Foi o presidente que avalizou a transformação do BNDES e de fundos de pensão de estatais em agentes financiadores da privatização. Assim como, agora, permite que o BNDES empreste para empresas grandes, em setores como o petroquímico, a fim de facilitar a conglomeração. Tal prioridade é no mínimo discutível, quando estão asfixiados tantos setores e empresas de menor porte.
Repousa enfim sobre o presidente a responsabilidade pela tibieza das relações com a base parlamentar, até agora incapaz de cerrar fileiras em torno de reformas estruturais que, essas sim fundamentais, esbarram em privilégios acumulados e numa burocracia que resiste à mudança.
É por (falta de) iniciativa do presidente, enfim, que o ajuste fiscal se faz à custa de remendos, aumentos de impostos e prorrogação de tributos temporários, em vez de apoiar a reforma tributária ampla, por exemplo.
É óbvio que não pode haver desenvolvimento econômico, a não ser como exercício retórico, quando não há políticas comerciais, quando o Estado apenas distribui favores ao sabor das pressões setoriais casuístas, quando a política econômica é sempre passiva, tributária das condições externas de financiamento.
Mas é ridículo esperar que a superação dessa catatonia possa brotar do contraponto oratório entre ministros. É o presidente quem parece advertir: o impasse brasileiro é mantido por mim. O resto é retórica, detalhes ou nuanças de uma radical indisposição para construir e ousar.


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