São Paulo, Domingo, 05 de Setembro de 1999
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A fome e o Orçamento

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - De todo o caudaloso noticiário, tabelas, gráficos, aplausos e críticas ao Orçamento-2000, faltou apenas dizer o seguinte: há dinheiro nele para eliminar um fato obscenamente vergonhoso que aparece em outra estatística, essa bem menos badalada, a da Pastoral da Criança?
No primeiro trimestre deste ano, 4,2% do 1,387 milhão de crianças acompanhadas mensalmente pela pastoral morreram de desnutrição. De fome, para usar uma palavra menos aveludada. É inaceitável em qualquer país do mundo, mas se torna uma aberração em um país em que o governo tem, sim, dinheiro para ajudar bancos a comprarem outros bancos, para ajudar multinacionais do setor automotivo a montarem novas fábricas, para gastar a maior parte do que arrecada com o pagamento dos juros da dívida interna.
Pior: nem é preciso rios de dinheiro para atacar de uma boa vez a fome. Pelo menos a fome, já que há outras causas de mortalidade infantil (afecções perinatais, infecções respiratórias agudas etc) que fazem até maior número de vítimas e também são provocadas pela miséria extrema a que uma parte insuportável dos brasileiros está condenada.
Mas, num rasgo de extrema boa vontade, vamos admitir que seja mais difícil resolver o problema da miséria. Já a fome é inadmissível que se tolere, que nem sequer se discuta se, entre as rubricas do Orçamento e do PPA, há um lugarzinho para os famélicos.
A classe dirigente brasileira chegou a tal ponto de anestesia, de tecnocratismo, de cinismo enfim, que é preciso um banqueiro bilionário (David Rockefeller) vir ao país para dizer que o Brasil vive sob o risco de convulsão social por causa da enorme desigualdade de renda (Folha de sexta-feira, página 2-5).
Não dá vergonha que até um banqueiro estrangeiro veja o que o Orçamento-2000 e o PPA não enxergam?



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