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A fome e o Orçamento
CLÓVIS ROSSI
São Paulo - De todo o caudaloso noticiário, tabelas, gráficos, aplausos e
críticas ao Orçamento-2000, faltou
apenas dizer o seguinte: há dinheiro
nele para eliminar um fato obscenamente vergonhoso que aparece em outra estatística, essa bem menos badalada, a da Pastoral da Criança?
No primeiro trimestre deste ano,
4,2% do 1,387 milhão de crianças
acompanhadas mensalmente pela
pastoral morreram de desnutrição. De
fome, para usar uma palavra menos
aveludada. É inaceitável em qualquer
país do mundo, mas se torna uma
aberração em um país em que o governo tem, sim, dinheiro para ajudar
bancos a comprarem outros bancos,
para ajudar multinacionais do setor
automotivo a montarem novas fábricas, para gastar a maior parte do que
arrecada com o pagamento dos juros
da dívida interna.
Pior: nem é preciso rios de dinheiro
para atacar de uma boa vez a fome.
Pelo menos a fome, já que há outras
causas de mortalidade infantil (afecções perinatais, infecções respiratórias
agudas etc) que fazem até maior número de vítimas e também são provocadas pela miséria extrema a que uma
parte insuportável dos brasileiros está
condenada.
Mas, num rasgo de extrema boa
vontade, vamos admitir que seja mais
difícil resolver o problema da miséria.
Já a fome é inadmissível que se tolere,
que nem sequer se discuta se, entre as
rubricas do Orçamento e do PPA, há
um lugarzinho para os famélicos.
A classe dirigente brasileira chegou a
tal ponto de anestesia, de tecnocratismo, de cinismo enfim, que é preciso
um banqueiro bilionário (David Rockefeller) vir ao país para dizer que o
Brasil vive sob o risco de convulsão social por causa da enorme desigualdade de renda (Folha de sexta-feira, página 2-5).
Não dá vergonha que até um banqueiro estrangeiro veja o que o Orçamento-2000 e o PPA não enxergam?
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