São Paulo, Domingo, 05 de Setembro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Lula Chávez



O rumo de Chávez dificilmente deixará de desembocar em ruptura democrática
JORGE BORNHAUSEN

A manifestação das oposições reunidas em Brasília em 26 de agosto teve início sob uma ampla e bem-concretizada indefinição. Dependendo da arregimentação do manifestante, a marcha abrigou três bandeiras: 1) a da mudança do modelo econômico, 2) a da renúncia do presidente da República (e do vice?) e, por fim, 3) a de um abaixo-assinado pedindo uma CPI para investigar a privatização das empresas de telefonia.
De tudo, sobrou apenas esse documento inepto (já rejeitado pelo presidente da Câmara), pois o regimento da Câmara e a Constituição da República (art. 58, parágrafo 3º) não acolhem a instalação de CPIs por abaixo-assinado, e-mail ou subscrição popular. É necessário requerimento com um terço das assinaturas de deputados ou de senadores, com o objetivo de apurar fato determinado e por prazo certo, que certamente não é a inconformidade corporativa contra uma das mais bem-sucedidas privatizações de sistema telefônico em âmbito universal.
A imprensa tem divulgado estudos sobre o compasso das teles pós-privatizações. A conclusão é simples, não nos custa lembrar: a disponibilidade de terminais fixos, que era de 12,1 milhões em 1994, atingiu 22,1 milhões ao final de 1998, estando também em operação, na mesma data, 7,2 milhões de telefones celulares, nove vezes os 800 mil que existiam em 1994, prevendo-se, para o final de 1999, a ativação de 12 milhões de acessos. Além disso, as diversas empresas privadas já investiram de forma a aumentar e melhorar a oferta de serviços para, mais rapidamente, expandir a rede em até 40 milhões de telefones fixos e 23 milhões de celulares em 2003, o que representa substancial ingresso de recursos externos.
Em suma: hora errada, "timing" errado, oposição errada.
A verdade é que ainda não se chegou no Brasil a uma definição razoável sobre o que venha a ser o exercício político sugerido pelo vocábulo oposição. Na Inglaterra, chamam-na de leal oposição à rainha, querendo significar ser leal à pátria, representada pela monarquia. Por estar fora do governo, a oposição se manifesta por meio de idéias e estratégias alternativas. Possui até o chamado gabinete das sombras, com ministros nomeados para o exercício da oposição em suas áreas.
Os limites dessas e de outras oposições nas democracias desenvolvidas são perfeitamente claros: elas existem para ajudar a construir um país melhor, e não um país pior. E elas se manifestam contra idéias, e não contra pessoas.
No Brasil, além da manifestação confusa do dia 26 de agosto, o líder e candidato três vezes derrotado à Presidência acaba de subscrever, de forma enfática, elogio e apoio às manobras cada vez mais estranhas do presidente da Venezuela, o comandante Hugo Chávez. Chávez instalou na Venezuela um sistema ambivalente, sobrepondo ao Congresso, eleito com ele, a Assembléia Nacional Constituinte. Sua inauguração se deu ao som de duas prerrogativas: colocou o Legislativo em recesso e decretou uma emergência jurídica, tomando da Suprema Corte o papel de dirigir o sistema jurídico no país. Já estão eclodindo nas ruas de Caracas os primeiros conflitos decorrentes de caminhos tão confusos.
Lula achou inteligente juntar ao bordão "Fora, FHC", entoado no palanque de Brasília, um enérgico apoio ao coronel Chávez e a suas medidas incompatíveis com um Estado democrático. Em outras palavras, estendeu à Venezuela o que co-patrocinou no Brasil: uma simulação de que é possível obter vitórias políticas passando uma borracha sobre firmes e suadas conquistas da democracia.
Para que fique bem claro: o rumo de Chávez dificilmente deixará de desembocar em ruptura democrática. A caminho de sua quarta tentativa para buscar a Presidência da República, o candidato do PT mostra sua nova face. Perdeu com seu nome original, Luiz Inácio da Silva, perdeu duas vezes como Luiz Inácio Lula da Silva e se prepara para, mais uma vez, ser derrotado, agora com a alcunha Lula Chávez.
Jorge Bornhausen, 61, é senador pelo PFL-SC e presidente nacional do partido. Foi embaixador do Brasil em Portugal (1996-98), governador de Santa Catarina (1979-82), ministro da Educação (governo Sarney) e ministro da Secretaria de Governo da Presidência (governo Collor).


Texto Anterior:

Tendências/Debates: O futuro da agricultura está no mercado
Próximo Texto: Erramos
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.