|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JOSÉ SARNEY
O troca-troca
É inacreditável e de causar desalento o que acontece com as instituições políticas brasileiras. O cenário de troca-troca nos partidos políticos dá bem a dimensão do atraso em
que estamos mergulhados.
O país modernizou-se. Fabricamos
aviões, chips de computadores e sofisticados bens de consumo e avançamos na estrutura gerencial da economia. Dispomos de recursos humanos
de alta qualidade. Mas, no que diz respeito ao aparato estatal e à organização do país para a democracia, os passos são lentos.
Saímos do ciclo autoritário para o
Estado de Direito num processo impecável. Todos os espaços políticos foram abertos, voltou a liberdade com
todo o seu poder criativo. Realizou-se,
com a Constituição de 88, um novo
pacto social. O sindicalismo livre trouxe os trabalhadores para o centro das
decisões. As relações entre patrão e
empregado foram transformadas. A
cidadania passou ao primeiro plano
das preocupações nacionais. O problema social passou, com toda a dramaticidade, a exigir prioridade. O país
abriu-se para a realidade de seus problemas. O Brasil preparou-se para dar
um grande salto institucional.
Infelizmente, alguns problemas o
bloquearam. Primeiro, o Estado de
Direito não pode avançar emaranhado na cilada das medidas provisórias.
A qualidade do processo legislativo
caiu, e as relações do Parlamento com
o Poder Executivo não foram saudáveis -marcadas por muitos desencontros. Segundo, e mais grave, o país
não teve capacidade de organizar-se
politicamente para enfrentar o conflito democrático. E somaram-se a isso
as dificuldades próprias das democracias pobres e sem meios de oferecer
soluções aos desafios sociais e o subdesenvolvimento político -com a
manutenção de instituições que remontam ao princípio do século 20.
Sabe-se que as grandes comunidades têm necessidade de preparar-se,
organizando a contenda política, para
implantar a democracia. O maior instrumento e único sobrevivente do longo aprendizado é o partido político.
Ele é um grupo de pressão que, dentro
da sociedade, luta pela conquista do
poder por meio de eleições livres.
Sem partido político, a democracia é
uma luta de facções em que sempre
predominam os interesses pessoais ou
de grupos. O Brasil não tem tradição
de partido político. Aqui, os partidos
nunca existiram. Quando muito, são
até hoje legendas estaduais, que, em
âmbito nacional, registram candidatos às eleições.
No Congresso, a inexistência de verdadeiros partidos torna aquela instituição polarizada entre oposição e governo, aprisionada na atividade diária
do discurso, forma de fiscalização legislativa do século 19.
Temos quase 30 partidos, o que significa não termos nenhum. Os partidos brasileiros fogem à definição clássica de partidos de massa ou de quadros para serem partidos ocasionais.
O quadro a que assistimos de troca-troca de legendas -alguns deputados
com a glória de quem troca de terno
sete vezes em dois anos- bem demonstra o caos partidário.
O mal do Brasil está na falta de organização para a democracia, que estamos exercitando de maneira anárquica e predatória.
Ninguém pense que a economia é
que está mal. Mais do que esta, está a
política. A reforma das instituições
políticas é a mais urgente de todas.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Marcelo Beraba: Lá e cá Próximo Texto: Frases
Índice
|