São Paulo, sexta-feira, 05 de outubro de 2001

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JOSÉ SARNEY

O troca-troca

É inacreditável e de causar desalento o que acontece com as instituições políticas brasileiras. O cenário de troca-troca nos partidos políticos dá bem a dimensão do atraso em que estamos mergulhados.
O país modernizou-se. Fabricamos aviões, chips de computadores e sofisticados bens de consumo e avançamos na estrutura gerencial da economia. Dispomos de recursos humanos de alta qualidade. Mas, no que diz respeito ao aparato estatal e à organização do país para a democracia, os passos são lentos.
Saímos do ciclo autoritário para o Estado de Direito num processo impecável. Todos os espaços políticos foram abertos, voltou a liberdade com todo o seu poder criativo. Realizou-se, com a Constituição de 88, um novo pacto social. O sindicalismo livre trouxe os trabalhadores para o centro das decisões. As relações entre patrão e empregado foram transformadas. A cidadania passou ao primeiro plano das preocupações nacionais. O problema social passou, com toda a dramaticidade, a exigir prioridade. O país abriu-se para a realidade de seus problemas. O Brasil preparou-se para dar um grande salto institucional.
Infelizmente, alguns problemas o bloquearam. Primeiro, o Estado de Direito não pode avançar emaranhado na cilada das medidas provisórias. A qualidade do processo legislativo caiu, e as relações do Parlamento com o Poder Executivo não foram saudáveis -marcadas por muitos desencontros. Segundo, e mais grave, o país não teve capacidade de organizar-se politicamente para enfrentar o conflito democrático. E somaram-se a isso as dificuldades próprias das democracias pobres e sem meios de oferecer soluções aos desafios sociais e o subdesenvolvimento político -com a manutenção de instituições que remontam ao princípio do século 20.
Sabe-se que as grandes comunidades têm necessidade de preparar-se, organizando a contenda política, para implantar a democracia. O maior instrumento e único sobrevivente do longo aprendizado é o partido político. Ele é um grupo de pressão que, dentro da sociedade, luta pela conquista do poder por meio de eleições livres.
Sem partido político, a democracia é uma luta de facções em que sempre predominam os interesses pessoais ou de grupos. O Brasil não tem tradição de partido político. Aqui, os partidos nunca existiram. Quando muito, são até hoje legendas estaduais, que, em âmbito nacional, registram candidatos às eleições.
No Congresso, a inexistência de verdadeiros partidos torna aquela instituição polarizada entre oposição e governo, aprisionada na atividade diária do discurso, forma de fiscalização legislativa do século 19.
Temos quase 30 partidos, o que significa não termos nenhum. Os partidos brasileiros fogem à definição clássica de partidos de massa ou de quadros para serem partidos ocasionais.
O quadro a que assistimos de troca-troca de legendas -alguns deputados com a glória de quem troca de terno sete vezes em dois anos- bem demonstra o caos partidário.
O mal do Brasil está na falta de organização para a democracia, que estamos exercitando de maneira anárquica e predatória.
Ninguém pense que a economia é que está mal. Mais do que esta, está a política. A reforma das instituições políticas é a mais urgente de todas.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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