São Paulo, sábado, 05 de outubro de 2002

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ENTRAVES GENÉTICOS

Ninguém duvida de que, no capitalismo, patentes desempenham um papel fundamental na geração de aplicações científicas e tecnológicas. Se pessoas e empresas não pudessem contar com a proteção à propriedade intelectual, não investiriam na pesquisa e no desenvolvimento de novos produtos, privando a humanidade de inovações úteis.
Avanços recentes no campo da genética, contudo, levantam algumas questões em relação às legislações de patentes. O Brasil, por exemplo, não reconhece direitos de patente sobre organismos vivos ou genes. Os EUA, por outro lado, vêm concedendo patentes sobre genes. Cientistas se queixam de que essa prática já cria obstáculos burocráticos à realização de pesquisas: às vezes é preciso contatar várias empresas para comprar o direito de usar certas sequências.
Classicamente, os requisitos para a patenteabilidade são ineditismo, não-obviedade e utilidade (aplicação industrial). É difícil tentar aplicar esses critérios à descrição das bases nitrogenadas que compõem um gene. Em termos mais simples, um organismo vivo e seus genes não são uma invenção do cientista que o descreve.
Permitir que um pesquisador patenteie um gene sem que ele esteja associado a alguma inovação concreta como uma droga é filosoficamente problemático. "Mutatis mutandis", seria como conceder a um cientista os direitos sobre o carbono, por exemplo, só porque ele descreveu as propriedades desse elemento químico. Como o carbono está presente em todos os processos orgânicos, o cientista se tornaria "proprietário" de tudo o que é ou foi vivo.
O Escritório de Patentes dos EUA já reconheceu que, no passado, foi generoso demais na concessão de proteções intelectuais. A partir de 2001, começou a restringir seus critérios. O Brasil, por outro lado, com sua legislação bastante restritiva, ainda que seja filosoficamente mais consistente, pode estar ficando para trás.
O desafio é elaborar uma legislação internacional que incentive a pesquisa, mas sem permitir que algumas poucas empresas se tornem "donas" da natureza. Infelizmente, vivem-se tempos em que o unilateralismo tem sido a marca dos EUA. Não é uma boa hora para procurar consensos.


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