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São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2003

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Observações sobre o excessivo endividamento

O consumismo costuma ser condenado como hábito de conduta humana, especialmente quando realizado com recursos que vão além da capacidade de compra do consumidor.
Ninguém deve se endividar indefinidamente. Esse é o ensinamento do bom senso. Mas, por incrível que pareça, a economia mundial está pendurada no consumismo americano. Os dados são espantosos. Entre 1995 e 2002, 60% do crescimento do resto do mundo decorreu da economia dos Estados Unidos. Isso foi reflexo, por sua vez, da extraordinária explosão do consumo naquele país, que cresceu 3,7% ao ano -o dobro do crescimento do consumo nos demais países ricos. Foi isso que levou a revista "The Economist" a afirmar que a economia mundial está voando com apenas um motor ("Flying on one engine", "The Economist", 20 de setembro de 2003).
Isso é grave. A sobrevivência do mundo está atrelada ao dinheiro de plástico dos que gastam mais do que ganham e dos empréstimos estrangeiros que são direcionados aos Estados Unidos, cuja dívida interna chegou a 5% do PIB em 2002 -um recorde histórico!
De maior credor nos anos 80, os Estados Unidos se transformaram no maior devedor do mundo. O Orçamento do governo saiu de um superávit de 2% do PIB em 2000 para um déficit de 4% em 2003.
O que acontecerá com o resto do mundo se os americanos seguirem a lei do bom senso e, como tal, pararem de gastar, de importar e de se endividar? Será o caos! O mundo não está preparado para tamanho solavanco.
Mas até quando o quadro continuará assim tão frágil? Ninguém sabe. A Alemanha e o Japão poderiam ser as novas locomotivas da economia mundial -seguidos da China. Mas isso deve demorar muito. Os três países têm problemas sérios a serem superados.
Os alemães estão apenas iniciando um complexo processo de redução de impostos e de excesso de proteção na área da seguridade social. O Japão continua se ressentindo de uma recessão que já dura dez anos. E a China, apesar de sua pujança, continua com um sistema financeiro incipiente, que, a qualquer momento, pode trazer más surpresas -sem contar o enorme desafio de sustentar e de proteger adequadamente uma população de 1,3 bilhão de habitantes.
Tudo indica que essa virada vá demorar. O que pode acontecer no meio do caminho? Será que os Estados Unidos conseguirão reduzir o seu endividamento de forma gradual sem afetar as exportações e o crescimento do resto do mundo? Ou será que o endividamento crescente vai levar aquele gigante a recorrer ao FMI? Seria irônico, para não dizer trágico.
Quando se observa o comportamento da economia mundial com essa ótica, a dependência assusta e deixa uma lição para o Brasil. Precisamos trabalhar muito mais, aumentar a eficiência de quase todos os setores e ganhar competitividade em âmbito mundial para, com isso, explorar, gradualmente, outras opções no cenário internacional.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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