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CARLOS HEITOR CONY
Tijolo de segurança
RIO DE JANEIRO - Quando publiquei o meu terceiro romance, em
1960, alguns críticos consideraram
o título ("Tijolo de Segurança') enigmático e de mau gosto.
Em certa parte do texto, há uma
explicação que considero atual com
o recente desastre com o avião da
Gol, em que morreram 155 pessoas.
Para andar num espaço quase infinito, cada avião ocupa o centro imaginário de um quadrado que garante a sua rota.
Esse quadrado é o tijolo de segurança: tantos metros acima e abaixo
e tantos metros à direita e à esquerda formam esse retângulo que se
movimenta com cada aeronave.
Apliquei essa metáfora aeronáutica à trajetória de cada um de nós
no espaço de cada trajetória pessoal. Precisamos de uma garantia
mínima para não nos chocarmos
uns com os outros.
O desastre em que dois aviões se
esbarraram num espaço ilimitado
mostra que, apesar da tecnologia, os
equipamentos cada vez mais sofisticados não impedem os esbarrões,
que podem resultar fatais.
Também na vida de cada um de
nós, mesmo desaparelhados de mecanismos tecnológicos, insensivelmente tentamos manter esse tijolo
móvel que nos garante o mínimo de
segurança física e moral. Nós nos
chocamos muito por aí uns com os
outros e até conosco mesmo.
Confiamos nas rotas traçadas pelos responsáveis, confiamos na eficiência do equipamento, mas, de repente, tudo pode acabar numa tragédia.
De igual forma, todo o nosso
equipamento vital é precário diante
daquilo que deu título a uma ópera
de Verdi: a força do destino.
Em edição recente do mesmo romance, pensei em mexer no título,
tornando-o menos cabalístico.
Mas o mantive e o manterei para
sempre. É um símbolo de nossa fragilidade, de nossa disponibilidade
para o bem e para o mal.
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