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MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO
A Raposa e o Cordeiro
LULA PROJETOU, sempre, a figura pacificadora do conservador, distribuindo benesses a
ricos e pobres, valendo-se da dominação política tradicional. Mas
qual a forma visível desse poder?
Mesmo quando se dizia contrário à
ordem estabelecida, Lula nunca
apareceu na figura do guerreiro valente, irado e fogoso, no brilho e tilintar dos ferros, com os punhos
cerrados e a lança em riste, as presas aguçadas e o olhar flamejante
das grandes feras épicas: o leão corajoso, prestes ao assalto, não é metáfora que lhe sirva.
Em vez da imagem armada para
infundir temor e respeito diretos
no adversário, Lula escolheu a via
tortuosa da esperteza, minando as
instituições, atingindo o calcanhar
de adversários e aliados: o dinheiro, num mundo de mercado e escassez, foi seu astucioso aparato
destrutivo; desmoralizou a soberania e a representação do povo, catalisou a desonra de pessoas, admitiu
a corrupção de consciências, relegou velhos aliados ao haraquiri para salvar-se, expandiu a desigualdade, pôs à venda, por pratos de
lentilhas, a altivez e a dignidade dos
pobres.
O retrato que sintetiza todos esses tristes malefícios é o do chefe
que afaga e aplaca. O olhar brando,
o sorriso largo, montado pela dentição clara, regular e alinhada, as
mãos estendidas com generosas
palmas abertas para cima, o corpo
ataviado na maciez da lã ou do algodão, no enfeite da seda lustrosa,
desenham, em tudo, uma figura
acolhedora, harmoniosa, cujo mais
eficiente recurso foi a mansidão.
Em crise, exibiu o fantasma do cordeiro inocente e abatido, ignorando como e por que foi levado ao sacrifício. Ferido por trapaças recônditas, ou periclitante nas urnas, Lula mostra, em aparência, o mesmo
viso melancólico e benévolo, enquanto, por baixo, aguça o ferrão,
sugando a riqueza do país em prol
de si mesmo, da "companheirada"
e daqueles que detêm o poder real,
a serviço dos quais se colocou.
Esse o segredo de suas vitórias,
agora ameaçadas. Sua fraqueza
desponta na auto-indulgência:
"nunca ninguém fez tanto em toda
a história deste país". Para seu próprio bem. Sob seu jugo, ele vislumbra o "outro Brasil que vem aí, mais
tropical, mais fraternal...". Para o
presidente que se vangloriou da
mãe nascida analfabeta, a semicultura até que vem a calhar, expondo
seu elemento na referência a Gilberto Freyre, o amigo da ditadura
salazarista, o ideólogo do conservadorismo legitimador da desigualdade, da fraternidade mentirosa,
da servidão travestida em liberdade. No entorno do presidente, há
assessores ilustrados que poderiam ter-lhe contado essa novidade, poupando-lhe o constrangimento de citar quem desmente a
sua propaganda.
MARIA SYLVIA CARVALHO FRANCO passa a
escrever às quintas-feiras nesta coluna.
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