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JOSÉ SARNEY
Um conflito à vista
O HOMEM É um ser violento.
Seu grande desafio foi como
organizar-se em sociedade e
estabelecer um sistema de convivência que tornasse possível a vida
em comum.
Fukuyama chamou de "Fim da
História" o momento em que se
consolidou um sistema liberal democrático de governo capaz de assegurar uma sociedade de paz, justa e humana.
Mas a democracia é um sistema
conflituoso. É quase impossível
conviver numa sociedade com tantas contradições. O milagre de chegarmos ao Estado democrático foi
a longa caminhada para um autogoverno, um regime de harmonia
de Poderes, divididos entre Executivo, Judiciário e Legislativo, um
controlando o outro, num regime
de pesos e contrapesos.
O Brasil já atravessou o gargalo
institucional e chegou a esse patamar. Mas suas instituições ainda
são frágeis. No Império, foi possível formar-se este grande país,
construir a unidade que tem, tendo
como base estruturadora o Poder
Moderador, que nas crises se mostrou extremamente eficaz. Ele era
exercido pelo imperador, o Conselho de Estado e o Senado Vitalício
-importante para assegurar o sentido de estabilidade de que necessitava uma nação em formação.
Veio a República e, na falta do
Poder Moderador para essa função, apropriaram-se dela as Forças
Armadas, com intervenções sucessivas no processo político. Chegou-se mesmo a construir uma tese de
que esta era a "destinação histórica
das Forças Armadas", como definiu em livro o almirante Custódio
José de Mello.
Acontece que, numa democracia
liberal amadurecida, a sociedade
continua conflituosa, e ela só funciona com esse "poder harmonizador" exercido pelo Judiciário,
guardião da Constituição e da Lei,
expressão do pacto social. É o
exemplo dos Estados Unidos, a
mais conflituosa de todas as sociedades democráticas, impossível de
existir sem uma Justiça forte.
O ministro Jobim, recordo bem,
no dia da posse como presidente do
STF, reclamou da deformação brasileira de querer que "a Justiça arbitrasse a luta político-partidária".
Isso deforma o embate e envolve a
Justiça na política, o que é um mal.
Agora vemos o problema da fidelidade partidária, que devia ser resolvido pelos partidos, não pela
Justiça. Não há um só estatuto de
partido que considere a perda de
mandato pela troca de legenda. A
verdade é que não há fidelidade
partidária porque não há partido, e
ninguém pode ser fiel ao que não
existe.
A decisão do STF, contudo, tem
uma vantagem e uma mensagem
muito clara. "Façam a reforma política; se não fizerem, nós a faremos". Não há dúvida de que é uma
boa coisa, mas um conflito à vista.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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