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BORIS FAUSTO
Abertura para o mundo
Durante quase todo o seu
mandato, até recentemente, o
presidente Fernando Henrique recebeu críticas pela realização de viagens
ao exterior. Essas criticas, de nítido sabor demagógico e, ao mesmo tempo,
de fácil aceitação, consistiam em dizer
que o presidente ia passear lá fora enquanto o país enfrentava problemas
de toda natureza.
O conhecimento de línguas estrangeiras, especialmente do inglês, era relegado à conta de perfumaria, ignorando-se que hoje, mais do que nunca,
personalidades políticas monoglota
estão fadadas a carregar um pesado
lastro.
Foi preciso que acontecesse a tragédia de 11 de setembro para que certas
mentes despertassem para o mundo,
embora ainda lhes custe perceber as
íntimas relações entre o setor externo
e o setor interno do país, seja no campo da economia, seja no campo das
relações internacionais. Foi preciso
ainda que o presidente demonstrasse,
uma vez mais, suas qualidades de estadista, falando à Assembléia Nacional francesa, para que se tornasse óbvia a importância desses "passeios"
diplomáticos.
Vale a pena chover no molhado e insistir que o fenômeno da globalização
não resultou de uma manipulação
perversa pelos donos deste mundo,
mas sim de uma revolução tecnológica que alterou radicalmente a velocidade e a qualidade das comunicações,
transformando as relações entre os
mercados, em particular no campo financeiro. Essa constatação não importa em dizer que a globalização é
neutra. Pelo contrário, sua lógica tende a concentrar poderes e recursos,
mas não como uma lei inexorável.
Uma apropriação mais equilibrada de
seus frutos pode ser alcançada pela
ação dos estadistas, em especial os dos
países emergentes, pela intervenção
de setores sociais representativos, assim como por burocracias capazes e
responsáveis.
Isso significa que, por maiores que
sejam as qualidades presidenciais, o
papel a ser desempenhado pelo Brasil
na ordem internacional transcende
necessariamente sua figura e os quadros competentes do Itamaraty. E aí se
revela a defasagem do país. Como diz
um editorial desta Folha, de 21/10, "o
Congresso é míope para tudo o que vá
além das fronteiras nacionais. Empresários, sindicatos e a grande imprensa, idem. As raríssimas exceções confirmam a regra de que, também entre
os estudiosos, há grave carência de
formação na área" ("Um lugar ao sol",
Opinião, pág. A2).
No que diz respeito ao último tópico, basta lembrar a concentração da
mídia em uns poucos nomes, na busca de análises, após os acontecimentos de 11 de setembro. Aliás, a formação de quadros especializados depende de múltiplas iniciativas, sendo um
bom exemplo a criação de cursos sobre relações internacionais, como
acaba de fazer a USP, com significativo número de candidatos inscritos.
Uma vantagem adicional desses cursos é a de que eles permitem integrar
professores com diferentes formações
(ciência política, direito, economia
etc.), provenientes de diferentes faculdades, muitas vezes com raros contatos entre si.
Tentar ignorar o mundo em que vivemos é uma tarefa inglória e impossível. De um jeito ou de outro, ele entrará no "inviolável recinto pátrio",
pela porta ou pela janela. Mais vale ir a
seu encontro, sem preconceitos e sem
ilusões, devidamente preparado.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
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