São Paulo, segunda-feira, 05 de novembro de 2001

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BORIS FAUSTO

Abertura para o mundo

Durante quase todo o seu mandato, até recentemente, o presidente Fernando Henrique recebeu críticas pela realização de viagens ao exterior. Essas criticas, de nítido sabor demagógico e, ao mesmo tempo, de fácil aceitação, consistiam em dizer que o presidente ia passear lá fora enquanto o país enfrentava problemas de toda natureza.
O conhecimento de línguas estrangeiras, especialmente do inglês, era relegado à conta de perfumaria, ignorando-se que hoje, mais do que nunca, personalidades políticas monoglota estão fadadas a carregar um pesado lastro.
Foi preciso que acontecesse a tragédia de 11 de setembro para que certas mentes despertassem para o mundo, embora ainda lhes custe perceber as íntimas relações entre o setor externo e o setor interno do país, seja no campo da economia, seja no campo das relações internacionais. Foi preciso ainda que o presidente demonstrasse, uma vez mais, suas qualidades de estadista, falando à Assembléia Nacional francesa, para que se tornasse óbvia a importância desses "passeios" diplomáticos.
Vale a pena chover no molhado e insistir que o fenômeno da globalização não resultou de uma manipulação perversa pelos donos deste mundo, mas sim de uma revolução tecnológica que alterou radicalmente a velocidade e a qualidade das comunicações, transformando as relações entre os mercados, em particular no campo financeiro. Essa constatação não importa em dizer que a globalização é neutra. Pelo contrário, sua lógica tende a concentrar poderes e recursos, mas não como uma lei inexorável. Uma apropriação mais equilibrada de seus frutos pode ser alcançada pela ação dos estadistas, em especial os dos países emergentes, pela intervenção de setores sociais representativos, assim como por burocracias capazes e responsáveis.
Isso significa que, por maiores que sejam as qualidades presidenciais, o papel a ser desempenhado pelo Brasil na ordem internacional transcende necessariamente sua figura e os quadros competentes do Itamaraty. E aí se revela a defasagem do país. Como diz um editorial desta Folha, de 21/10, "o Congresso é míope para tudo o que vá além das fronteiras nacionais. Empresários, sindicatos e a grande imprensa, idem. As raríssimas exceções confirmam a regra de que, também entre os estudiosos, há grave carência de formação na área" ("Um lugar ao sol", Opinião, pág. A2).
No que diz respeito ao último tópico, basta lembrar a concentração da mídia em uns poucos nomes, na busca de análises, após os acontecimentos de 11 de setembro. Aliás, a formação de quadros especializados depende de múltiplas iniciativas, sendo um bom exemplo a criação de cursos sobre relações internacionais, como acaba de fazer a USP, com significativo número de candidatos inscritos. Uma vantagem adicional desses cursos é a de que eles permitem integrar professores com diferentes formações (ciência política, direito, economia etc.), provenientes de diferentes faculdades, muitas vezes com raros contatos entre si.
Tentar ignorar o mundo em que vivemos é uma tarefa inglória e impossível. De um jeito ou de outro, ele entrará no "inviolável recinto pátrio", pela porta ou pela janela. Mais vale ir a seu encontro, sem preconceitos e sem ilusões, devidamente preparado.


Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta coluna.



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