São Paulo, segunda-feira, 05 de novembro de 2001

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CLAUDIA ANTUNES

À moda da Guerra Fria

RIO DE JANEIRO - Em 1979, a pequena Nicarágua teve quase tanto destaque nos jornais quanto hoje têm os atentados nos Estados Unidos e suas consequências. Pela primeira vez em 20 anos, uma guerrilha tomava o poder na América Latina.
A Frente Sandinista prometia respeitar o pluripartidarismo e manter a economia mista. Podia ser apenas um discurso tático, mas o fato é que o endurecimento tornou-se inevitável, por causa da guerra ao novo governo, movida pelos "contras", armados e financiados pelos Estados Unidos. Em 1990 os sandinistas deixaram o poder desmoralizados, depois de se apropriarem de bens do Estado num escândalo conhecido como La Piñata. O país continuava -e continua- miserável.
Lembro disso agora não só porque ontem aconteceram eleições na Nicarágua, nas quais o sandinista Daniel Ortega mais uma vez disputava a Presidência, mas também porque, na última quinta-feira, o presidente americano, George W. Bush, assinou uma ordem executiva que lhe permitirá bloquear o acesso a documentos da Casa Branca da época do governo de Ronald Reagan.
Segundo uma lei de 1978, esses papéis deveriam vir a público agora, 12 anos depois do fim da administração Reagan -na qual foi realizada a operação ilegal de venda de armas ao Irã, com o envio dos lucros para os anti-sandinistas. Mas Bush estaria interessado em preservar funcionários que estão de volta, em seu governo, ao mesmo tempo que se previne da futura divulgação de documentos sobre a crise atual.
Em 1979 estávamos na Guerra Fria e atos terroristas dos contras, assim como seu envolvimento com o tráfico de drogas, eram justificados em nome do combate ao comunismo. O mundo mudou, mas as mentalidades nem tanto -advertências feitas pelo governo americano contra uma eventual vitória de Ortega em nada diferem da retórica daquele tempo.
O exemplo é diminuto, mas não isolado. Também no combate ao terrorismo se repetem as dicotomias burras, os atropelos aos direitos civis e humanos e o terror de Estado.


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