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CARLOS HEITOR CONY
Tanta Rachel
RIO DE JANEIRO - Há 73 anos, uma gráfica provinciana publicava o primeiro livro de uma jovem, edição
particular, paga pela própria autora.
"Descreva bem a sua aldeia e descreverás o mundo", aconselhava um romancista russo. A jovem de 19 anos,
isolada no sertão cearense, não conhecia a frase. Mesmo assim, na capa
de seus originais escreveu simplesmente "O Quinze", referindo-se à
maneira nordestina ao ano de 1915 e,
por extensão, à seca daquele ano. A
seca que invadiu seu romance e, em
seguida, a literatura nacional.
O ciclo regionalista, que se constituiria num do mais fecundos do Brasil, teria seu começo, em conteúdo e
forma, naquele pequeno grande romance da professora cearense de 19
anos.
"O Quinze" não fez sucesso na crítica cearense, mas estourou no Rio e
em São Paulo. Augusto Frederico
Schmidt deu um salto à frente de sua
época e dedicou ao romance famoso
artigo.
A história é conhecida: Rachel não
ficou na promessa e foi à luta. Publicou novos romances ("João Miguel",
"Caminho de Pedras", "As Três Marias", "Dôra, Doralina", "Memorial
de Maria Moura"), tornou-se cronista, fez teatro. Em conjunto, uma
obra de consistência clara, atuante,
sedimentada numa dignidade que se
tornou um dos raros consensos nacionais. Em poema bastante badalado, Manuel Bandeira chamou-a de
"nata e flor do nosso povo" e louvou
o seu amor de tia. Outros preferem
chamá-la de "madrinha" -e, em
certo sentido, ela é realmente uma
espécie de madrinha de todos os que
escrevem neste país.
Basta uma releitura de "O Quinze"
para sentir a segurança com que a
moça de 19 anos, num distante Ceará que só nos chegava pelos itas do
norte, invadiu o cenário e a literatura do Brasil. Seu estilo é enxuto, sem
bordados. "Passava quase todo o dia
na estação, alegre como uma feira,
cheia de gente como uma missa".
O que difere Rachel de seus irmãos
regionalistas (Zé Lins, Graciliano e
Jorge Amado) é uma certa penumbra machadiana: "Tanta fome, tanta sede, tanto sol". Tanta Rachel.
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