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São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Gastos e crescimento

As discussões na Câmara e no Senado sobre a "reforma tributária" revelaram a imensa dificuldade de manter o Estado (União, Estados e municípios) dentro dos estreitos limites do produto interno bruto. Ao ouvir o clamor federal para programas redistributivos, as queixas dos governadores sobre a impossibilidade de pagarem suas dívidas e o patético apelo dos prefeitos por mais recursos, o cidadão comum entrou em estado de perplexidade. Se a carga tributária bruta é de 37% e ainda fazem um déficit nominal de 4%, como é possível que faltem recursos para atender as demandas sociais? Estarão eles investindo exageradamente em infra-estrutura, em subsídios agrícolas e industriais ou na exportação que dentro em breve nos levarão ao crescimento chinês? Estarão eles investindo em educação (ciência básica e desenvolvimento tecnológico) e saúde que nos colocarão numa posição vantajosa de desenvolvimento humano em relação ao nosso PIB per capita e que em breve acelerarão o nosso crescimento?
Nem uma coisa nem outra! Isso tem levado alguns economistas a imaginar que, "com tal carga tributária, a volta ao crescimento é impossível". Trata-se, obviamente, de um "non sequitur", pois, a rigor, não é a "carga tributária" que impede o crescimento, mas o uso inadequado que se faz dos recursos. Com tal carga tributária, o Estado poderia estar investindo 10% do PIB, e não desinvestindo! Com isso, certamente, estaríamos crescendo. É claro que melhor ainda seria deixar metade disso nas mãos do setor privado e usar o restante nos projetos que exigem a participação do Estado.
Aquele pensamento é um resíduo do tempo em que os trabalhos de Robert Barro pareciam robustos. Mantendo constantes todos os fatores de crescimento, Barro pensou ter encontrado uma relação negativa entre alta carga tributária (e o alto dispêndio governamental) e a taxa de crescimento econômico. Estudos posteriores mostraram que, mesmo torturando as estatísticas com métodos econométricos ultra-sofisticados, é difícil encontrar tal relação.
O nosso drama é que, somando as pretensões da União, dos Estados e dos municípios, nem uma carga tributária de 100% do PIB seria suficiente! O que parece claro é que uma carga tributária de 37% já é altamente perniciosa: ela produz, necessariamente, distorções na poupança privada, na oferta de trabalho e nos investimentos privados. Distorções que eventualmente poderiam ser minimizadas pelo substancial investimento público. Mas este não existe, exatamente porque o Estado (União, Estados e municípios) dissipa os seus recursos em gastos de custeio e no pagamento de juros sobre a fantástica dívida que acumulou.
Nas discussões sobre a reforma tributária, velhos fantasmas ganharam nova vida (como a progressividade), e nenhum dos princípios canônicos para eliminar as distorções dos preços relativos foi seriamente considerado, o que significa que ela pouco contribuirá para melhorar a eficiência da economia.
A reforma de que precisamos é a reforma dos gastos. A Câmara dos Deputados e o Senado, apoiados no seu órgão auxiliar, o Tribunal de Contas (que tem melhorado dramaticamente), deveriam constituir uma comissão especial para o aperfeiçoamento dos serviços públicos e estabelecer uma meta obrigatória de redução dos gastos reais de custeio de 2% ou 3% ao ano para os próximos dez anos.


Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br


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