São Paulo, quarta-feira, 05 de novembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Direito de ser sócio do Brasil
EDUARDO MATARAZZO SUPLICY
A decisão de unificar os programas de transferência de renda é um passo correto do presidente Lula. Trata-se de simplificar e racionalizar o sistema. Às famílias com renda mensal de até R$ 100 per capita, será assegurado um complemento de renda de pelo menos R$ 50, mais R$ 15, R$ 30 ou R$ 45, se a família tiver, respectivamente, uma, duas, três ou mais crianças. Como contrapartida da Bolsa-Família, deverão os pais demonstrar que as crianças estão sendo vacinadas, que o seu grau de nutrição é acompanhado pelos postos de saúde, que estão frequentando a escola e os próprios pais realizando algum curso de alfabetização ou capacitação. A minha recomendação ao presidente Lula e à coordenadora do programa, Ana Fonseca, é que examinem com atenção em que extensão estarão presentes as chamadas armadilhas do desemprego ou da pobreza que são debatidas na literatura sobre o tema. Os maiores estudiosos da matéria recomendam que cheguemos gradualmente à instituição de uma renda básica de cidadania, uma modesta renda, suficiente para atender as necessidades de sobrevivência de cada pessoa, paga igualmente a todos, não importa a sua origem, raça, idade, sexo, condição civil ou mesmo socioeconômica. Mas como? Então vamos pagar até para o Antônio Ermírio? Sim. Ele e todos que não precisariam vão colaborar para que eles próprios e todos os demais venham a receber. Dessa maneira, ninguém ficará excluído. Será o modo de efetivamente atingirmos todos os mais pobres. Pois não precisará cada pessoa declarar, para fins de receber a renda de cidadania, quanto ganha. Eliminaremos qualquer sentimento de estigma ou vergonha de a pessoa ter de dizer "eu só recebo tanto, e por isso mereço receber tal complemento". Mais importante, do ponto de vista da dignidade e da liberdade do ser humano, será muito melhor para cada pessoa saber de antemão que nos próximos 12 meses e, daí para a frente, a cada ano cada vez mais, com o progresso do país, ela e cada um na sua família receberão uma modesta renda como direito de participar da riqueza do Brasil. Será que a renda de cidadania vai viciar o cidadão? Antônio Ermírio teve o direito de receber os rendimentos provenientes do acúmulo de capital proporcionado pelos empreendimentos de seu pai sem ter a obrigação de trabalhar e, mesmo assim, resolveu sempre estudar nas melhores escolas e muito trabalhar, sem ter se viciado. Da mesma maneira, todo brasileiro que receber a renda de cidadania terá o estímulo para estudar, trabalhar e progredir. Tenho a convicção de que, pela seriedade com que tem se dedicado aos problemas brasileiros, Antônio Ermírio, ao estudar em maior profundidade a proposição, ficará convencido, como muitos laureados com o Nobel de Economia, a exemplo de James Edward Meade e James Tobin, de que a renda básica de cidadania será também o instrumento eficiente para chegarmos ao objetivo importante do desemprego zero. Eduardo Matarazzo Suplicy, 62, doutor em economia pela Universidade Estadual de Michigan (EUA), senador pelo PT-SP, é professor da Eaesp-FGV. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Luiza Nagib Eluf: Nem muda, nem surda Índice |
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