São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

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ESCOLHA ARRISCADA

Tão avara até aqui, a imaginação criativa do Planalto veio a se manifestar de modo imprevisto na escolha, arriscada e imprópria, do vice-presidente da República, José Alencar, para a pasta da Defesa. Se não há impedimento constitucional para a designação, é embaraçoso que o político eleito para substituir o presidente em sua ausência temporária ou permanente faça parte do ministério que, naquelas circunstâncias, ele teria de comandar.
A inédita medida, além disso, pode suscitar um quadro de difícil solução na hipótese, pelo menos plausível, de o novo titular sair-se mal no cumprimento da função. Qual seria o custo político e institucional de o presidente da República ver-se compelido a demitir seu vice do cargo de ministro por desempenho insatisfatório? A autoridade de Alencar seria aviltada. A alternativa, ainda pior, é o vice tornar-se, na prática, indemissível do ministério.
Afora esses constrangimentos, que, incrivelmente, não pesaram a ponto de demover o governo da decisão, é de perguntar que credenciais fazem de José Alencar um político talhado para a nova função. Não é demais lembrar que o Ministério da Defesa, criado pelo governo Fernando Henrique Cardoso sem o entusiasmo dos militares, ainda não encontrou um titular capaz de conferir-lhe a projetada dimensão.
Exceto as conhecidas inclinações nacionalistas do vice-presidente, vistas com simpatia pela caserna, não se sabe de outras características capazes de compensar, ainda que em parte, os riscos assumidos.
Não há dúvida de que José Alencar é um empresário de sucesso e um homem público respeitável. Dentre os traços mais conhecidos de sua personalidade, no entanto, não figuram a serenidade e o temperamento reservado. Seus ataques intempestivos à política monetária, ainda que traduzam as justificadas aflições do setor produtivo, são, na maneira como se manifestam, um contra-exemplo do que se deveria esperar de um ministro na posição de vocalizar as aspirações das Forças Armadas ou de contrastá-las.
Quanto à saída de José Viegas, em nada surpreende. Esperava apenas uma oportunidade, e ela surgiu com os polêmicos desdobramentos provocados pela publicação de supostas imagens do jornalista Vladimir Herzog pela imprensa.


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