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JOSÉ SARNEY
A roda da política
Já li, não me recordo onde, que
"em política nada fica parado". Ela
é dinâmica e se contorce a todo instante, mudando de forma e de luz.
Aqui se repete sempre que é como
uma nuvem, atribuindo-se essa comparação a Magalhães Pinto, embora
ela remonte ao Império e tenha sido,
se não me falha a memória, do conselheiro Dantas, esse baiano habilidoso
que também disse sobre a Abolição:
"Nesse assunto, não parar, não retroceder, não precipitar". Era, sem dúvida, uma definição antecipada do "muro".
Os políticos têm grande capacidade
de ressurreição. Sobrevivem a muitas
derrotas. Ninguém morre de repente,
como as pessoas de infarto do miocárdio. As doenças que matam os políticos levam anos, assim como "anemia
política maligna" ou "artrite reumatóide". Numa a causa tem de ser bem
estudada, mas a pessoa vai perdendo
os glóbulos vermelhos, o sangue se
modifica, vai ficando amarelo e vai
perdendo sangue e força, definhando
até a morte. Processo lento e explícito.
Já, na artrite, seus ossos incham, há
dores no andar e no corpo todo, até ficar imobilizado. É claro que estou falando das doenças políticas, sem compromisso com patologia e sintomas
dessas doenças.
A eleição dos Estados Unidos é um
exemplo claro do dinamismo político.
Por outro lado, há um fenômeno novo, que deve assustar daqui para a
frente: a libertação do eleitor das pesquisas. Há uma rebelião silenciosa que
as tornam vulneráveis.
Todas detectaram um empate e a
quase certeza de que havia uma maioria da opinião pública contra a política
unilateral, a guerra preventiva e a violência de Bush. A eleição revela uma
consolidada reação conservadora, julgando não somente a guerra do Iraque mas liberalização sexual, aborto,
valores religiosos e morais, bem como
crença na força e na missão messiânica dos EUA de comandar o mundo
sem ouvir ninguém. Bush, nessa tarefa
de identificar esse sentimento, foi
muito competente, e seu discurso depois de eleito revela isso: "A América
falou". E falou grosso.
Uma técnica difícil, mas bem característica da política e do agir dos políticos, é saber ultrapassar malogros com
a fórmula de começar a pensar na próxima eleição. O Partido Democrata
sustenta que a derrota de Kerry foi boa
para Hillary Clinton, que passa a ser
invencível na próxima eleição, e que
Bush vai radicalizar, terá insucesso no
Iraque e na economia. E isso passa a
ser anestésico e sonho.
Uma vez, no Maranhão, aconteceu o
contrário. O deputado Vieira da Silva
estava tão preocupado e receoso de
derrota que não quis aceitar a vitória.
Procurou-me e disse: "Aquele fulano
me traiu, beltrano fez corpo mole e
deu nisso: não estou eleito". Com o
boletim do TRE na mão, disse-lhe:
"Mas não é isso que está aqui na apuração da eleição. Você está eleito". Ele
retrucou: "Não estou eleito". E foi difícil convencê-lo de que tinha ganhado
a eleição.
Para outros, há confiança demais e
decepção com o resultado. É o que
ocorre, agora, com o senador Daschle,
de Dakota, líder dos democratas no
Senado, que perdeu a eleição. Ou com
Fernando Henrique, quando se sentou na cadeira de prefeito.
Os resultados da eleição americana
são importantes pelos recados que
nos mandam os filhos do Tio Sam.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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