São Paulo, segunda-feira, 05 de novembro de 2007

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ALBA ZALUAR

Ânimos exaltados

ALMA, ESPÍRITO , índole, resolução, intenção ou força, ânimo é adjetivo, ação, valor, decisão. Exaltado é exagerado, excessivo, ardente, fanático, irascível. Com ânimo exaltado está aquele que só vê e escuta a si próprio e a mais ninguém. A tragédia cega de quem só enxerga a si mesmo e que, caído na armadilha do fanatismo, se torna inimigo dos outros e de si mesmo. Dos primeiros, com exaltação; de si mesmo, sem nem perceber.
É essa a situação dos que se dividem em torno da segurança nas cidades brasileiras. Em um dos ânimos exaltados estão aqueles que acham favelados, pobres e negros com direitos além dos constitucionais, prejudicando a cidade inteira com suas construções em áreas de proteção ambiental, em cima de túneis e onde mais vá o querer incontrolado. Em outro, os que consideram favelas fábricas de bandidos que devem ser erradicados.
Com uma intenção irascível vão os que agem como se fosse natural jovens favelados se envolverem no tráfico, matarem-se uns aos outros em disputas comerciais e tratarem os da favela vizinha como "alemães", isto é, inimigos mortais.
Com força igualmente irascível vão os policiais que operam como se matar bandidos ou todos os que parecem ser bandidos (mas podem não ser) fosse a solução.
Entre uns e outros se posicionam profissionais e artistas que querem construir pontes, meios de comunicação, modos de compreensão mútua. Ainda é possível evitar a guerra que se seguirá aos ódios e vinganças inesquecíveis?
Vamos nós, os que conseguem ver o trágico desfecho dessa guerra fratricida, nos omitir ou nos calar diante das ameaças recebidas?
Em prol da nação que ainda nem acabamos de construir, não. É possível dissolver o nó górdio da segurança pública com mais respeito à lei vigente, aos direitos que implicam também responsabilidades recíprocas. Mas é preciso acrescentar mais interlocução entre violadores da lei e suas vítimas.
Nosso sistema de justiça proíbe que acusados e vítimas se falem. Nada mais absurdo. Como fazer com que um jovem favelado que matou alguém compreenda a extensão do dano que causou se os parentes da vítima não podem dizer o que sentiram em juízo? Como um policial que usou sua força excessivamente vai entender o estrago feito na favela atacada se suas vítimas inocentes não puderam falar?
É confrontando as partes afetadas que se chega a assumir a culpa e, portanto, aceitar o castigo ou o perdão. Assim é na Justiça dos Estados Unidos, assim foi o espírito que presidiu a reconstrução da África do Sul pós apartheid. Conciliação, punição e perdão sem esquecimento.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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