São Paulo, terça-feira, 05 de dezembro de 2006

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14 anos no poder

O acúmulo de forças oposicionistas, agora dentro das regras do jogo, é a melhor notícia destas eleições na Venezuela

O PRESIDENTE Hugo Chávez dedicou sua vitória eleitoral ao amigo Fidel Castro. Bem lembrado: depois do ditador cubano, seu pupilo de Caracas é o chefe de Estado há mais tempo no poder na América Latina e acaba de ganhar das urnas o direito de permanecer no cargo até 2013.
Em seu estilo usual, tão cru quanto o óleo que lubrifica o "milagre bolivariano", Chávez fala em aprofundar sua "revolução". Estaria aberto o caminho para mais uma escalada autoritária na Venezuela -e com a bênção do presidente Lula, que, rompendo irresponsavelmente os mais elementares protocolos diplomáticos, lhe emprestou apoio em plena campanha.
Note-se, porém, que a oposição ao chavismo está longe de ser desprezível na Venezuela. O governador Manuel Rosales, o candidato derrotado, reuniu forças que estavam dispersas e obteve quase 40% dos votos. Arrastado pela mesma maré petrolífera e enfurnado na mesma tentação autocrática, Vladimir Putin foi mais eficiente. Reelegeu-se com 71% na Rússia. Nem se fale dos índices de aprovação nos "plebiscitos" que Saddam Hussein obtinha em seus tempos de petroditador.
O acúmulo de forças oposicionistas, agora dentro das regras do jogo, é a melhor notícia destas eleições na Venezuela para quem preza as liberdades democráticas e a alternância no poder. Mais de quatro anos atrás, em abril de 2002, os adversários de Chávez enveredaram pelo golpismo. Apoiados por Washington, conseguiram deslegitimar-se enquanto pólo alternativo de poder e vitimizar um presidente então bastante fragilizado.
Erraram novamente as forças de oposição no ano passado, quando boicotaram as eleições legislativas, proporcionando a Chávez domínio absoluto do Congresso. Quer-se crer que aprenderam a lição, pois só como grupo que renuncia a soluções de força podem resistir com legitimidade aos tentames castristas que certamente virão do presidente no novo mandato.
Não há novidade no modelo chavista. Ele nasceu de uma política carcomida, quando um arcabouço institucional historicamente rarefeito desmoronou com a crise econômica e arrastou consigo os partidos tradicionais. À diferença de Evo Morales na Bolívia, Hugo Chávez não representa nenhum movimento social emergente. É fruto de uma ruptura na corporação militar, tendo desabrochado para a política numa tentativa frustrada de golpe de Estado, em 1992.
Beneficiado pela maior alta nas cotações do petróleo em um quarto de século, Chávez pôde exercitar-se no cesarismo. Seguindo os passos de Perón e congêneres, dá dinheiro aos pobres e os converte em massa eleitoral a serviço do governismo.
Por trás da fumaça "socialista" que encanta uma certa esquerda, o caudilho de Caracas reforça o modelo econômico que está na base da secular instabilidade venezuelana. Se o preço do petróleo cair abruptamente, o castelo de cartas que sustenta o chavismo correrá o risco de desmoronar sem deixar vestígio.


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