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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Na lama, ontem e hoje
SÃO PAULO - "Mortes, desabamentos, perdas materiais de toda
ordem, momentos de desespero,
transtornos e, mesmo para os não
diretamente atingidos pelas enchentes, uma sensação de impotência e revolta. Não há dúvida de que
choveu muito sobre São Paulo, como raramente acontece. Mas também é certo que o desastre de anteontem, de proporções inéditas,
vinha sendo há muito anunciado".
Não, leitor, as linhas acima não
foram escritas por este colunista.
Também não se referem à tragédia
de anteontem. Elas foram pinçadas
de um editorial desta Folha de
março de 1999, sugestivamente intitulado "Evitar novas tragédias".
Há dez anos, Gilberto Kassab havia deixado fazia pouco o cargo de
secretário do Planejamento de Celso Pitta. A cidade, à deriva, vivia
tempos exasperantes de desgoverno. O DEM do atual prefeito chamava-se PFL e estava em melhor
situação. José Roberto Arruda, senador pelo PSDB, nem pensava em
distribuir panetones aos pobres.
Deixemos por um instante a lama moral do DEM/PFL. São Paulo
também afunda na sua lama. A cidade está suja, mas o prefeito diz
que já é "um absurdo" gastar com
limpeza um terço do que destina à
saúde. Isso não o impede, no entanto, de elevar os gastos com publicidade de maneira pornográfica.
A catástrofe de anteontem matou
crianças pobres que habitavam
áreas de risco, provocou mais de 40
pontos de alagamento e um congestionamento de 218 km -ainda
vamos ao Rio entalados na cidade.
São Paulo está sendo sistematicamente derrotada pelas enchentes, que aqui se tornaram parte da
natureza, certas como a morte e os
impostos. Sejam quais forem os investimentos estruturais e as obras
de manutenção para enfrentar o
problema, eles redundaram num
fracasso exemplar. Sim, Kassab não
pode ser responsabilizado sozinho
pela imprevidência de décadas de
seguidos governos. Ele é coautor de
luxo do atual colapso urbano. A retórica técnico-gerencial do DEM
não vale um panetone falsificado.
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