|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BORIS FAUSTO
Marco civilizatório
Partindo do quadro mais geral,
duas constatações acerca da posse
de Lula na Presidência da República
foram destacadas, nos últimos dias. A
posse foi comemorada com uma festa
popular, sem paralelo na história política do país. Ao mesmo tempo, se ela
foi inequivocamente popular, não foi
nacional, e sim partidária -festa dos
militantes dos partidos de oposição,
com o PT à frente.
Os símbolos e as imagens expressaram essa sensível restrição: o verde-amarelo apareceu envergonhado,
quando apareceu; a praça dos Três
Poderes foi tomada pelo mar de bandeiras vermelhas, pelas estrelas petistas e pela foice e o martelo, expressão
de uma grande utopia do século 20
que resultou no desastre de regimes
totalitários.
Na festa, a expressão verbal não teve
maior destaque, mesmo levando-se
em conta o peculiar discurso do novo
presidente, que começou arrasador na
crítica ao "modelo vigente", para a alegria de seus radicais, e foi sendo temperado, ao longo das frases, com alusões aos limites do possível.
Os gestos ganharam o primeiro plano e dentre eles a efusão, e não a mera
cordialidade, que marcou a passagem
da faixa presidencial, do já ex-presidente Fernando Henrique ao novo
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Não cabe aqui tentar descrever a cena
a que o país assistiu pelas redes de televisão, e sim recordar apenas a emoção
que tomou conta das duas figuras políticas, muito comum em Lula e inusitada no sempre contido Fernando
Henrique.
O gesto coroou, no plano pessoal, os
traços positivos de uma rara transição
e só não surpreendeu, considerando-se os antecedentes dos últimos meses.
Mas, visto em uma perspectiva mais
ampla, desenhou-se, contraditoriamente, sobre o pano de fundo de pelo
menos oito anos em que as rivalidades
entre o PT e o PSDB chegaram a ser
encarniçadas. Se o principal líder da
oposição foi alvo de críticas, ou de ironias lançadas por políticos tucanos, o
presidente Fernando Henrique foi objeto de ataques sem trégua por parte
dos quadros petistas e, em particular,
de sua intelectualidade "enragé", culminando na malfadada campanha do
"fora FHC".
Decorreram 41 anos até que, de novo, um presidente constitucionalmente eleito passasse o cargo a outro, nas
mesmas condições. Entretanto, um
mundo separa a saída de Juscelino e a
posse de Jânio, em 31 janeiro de 1961,
da atual transição. Naquela data, em
uma Brasília que ainda engatinhava, a
transmissão do poder foi carregada de
tensão. Quando muito, se conseguiu
evitar que Jânio desfechasse, frente a
frente, um ataque virulento ao governo Juscelino, adiando-se, apenas por
algumas horas, o ataque que viria, em
mensagem radiofônica, na noite do
mesmo dia 31.
Os dois presidentes -Lula e Fernando Henrique- protagonistas da
cena contemporânea não partiram,
pois, de volta ao passado, mas projetaram para o futuro um simbolismo novo, um marco no longo e difícil caminho de um processo civilizatório.
Boris Fausto escreve às segundas-feiras nesta
coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Gabriela Wolthers: A esperança venceu o medo? Próximo Texto: Frases
Índice
|