São Paulo, quarta-feira, 06 de janeiro de 2010

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MÁRIO MAGALHÃES

Baixou o Bush, do Katrina

A VANÇAVA A contabilidade fúnebre no derradeiro dia de 2009 quando, no comecinho da tarde, indagaram um secretário municipal do Rio sobre o Réveillon. Ele rasgou o sorriso e festejou na TV: "Mudou nada, tá tudo certo!". Um repórter emendou, efusivo: com chuva ou sem chuva, "a festa tem que continuar!". Ao tripudiar da dor alheia, cunhou um desses enganos que degradam o jornalismo.
A conta dos mortos no Estado na quarta e na quinta-feira fecharia em 19, a maioria na capital, e quase a metade de crianças. Sobreveio a desgraça em Angra nos Reis na madrugada seguinte. O Estado somava ontem 74 vidas abatidas desde o dia 30 pelo aguaceiro.
A crônica do dar de ombros lustrou-se com Sérgio Cabral. Na quinta, 31, sua assessoria informou que ele permaneceria na casa de veraneio em Mangaratiba.
Logo o infortúnio castigou sua vizinhança, a dezenas de quilômetros, em Angra. Nem por isso, na sexta, o governador moveu-se ao morro da Carioca e à Ilha Grande.
Surgiu no sábado e cantou de galo: não é demagogo para estar onde quem deve agir nas primeiras 24 horas são os técnicos.
Abraçou o presidente Bush ausente no furacão Katrina de 2005 e rejeitou o suor do prefeito Giuliani no 11 de Setembro de 2001.
Ridicularizou o aliado Eduardo Paes, que na quinta de manhã já visitava as vítimas na zona norte carioca, concedendo um descanso ao furor marqueteiro do dito choque de ordem.
O mesmo prefeito cuja administração não foi capaz de identificar risco nos terrenos dos desabamentos e cujos desembolsos com publicidade dispararam, quem sabe à falta de outra prioridade.
Cabral vangloriou-se: dobrou as áreas de conservação, para restringir novas edificações, e vai radicalizar essa política.
Calou acerca do não cumprimento dos gastos previstos para combater inundações -notórias fontes de tragédias- na Baixada Fluminense e para prevenir calamidades no Estado.
Pareceu esquecer que no ano passado autorizou normas mais brandas para ocupar e construir em Angra, nas encostas em que deslizamentos matam.
A presença do governante não se destina a substituir o trabalho heroico de bombeiros e servidores da Defesa Civil, mas a demonstrar determinação pública em socorrer, amparar e prover meios de sobrevivência, ainda que o flagelo tantas vezes se origine de ausência do Estado. Encarna o comando da ação e estimula o empenho coletivo. Dá exemplo.
Nesse episódio, Cabral fez pelo menos um seguidor: até ontem à tarde, sua secretária de Assistência Social, Benedita da Silva, não fora vista em Angra.


MÁRIO MAGALHÃES é repórter especial da Folha.


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