São Paulo, quarta-feira, 06 de janeiro de 2010

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RUY CASTRO

Sorvete no açougue

RIO DE JANEIRO - Há anos, numa de suas incontáveis administrações, o então prefeito Cesar Maia entrou em um açougue no Rio e pediu um sorvete. O açougueiro, constrangido, teve de admitir que não trabalhava com o produto. Mas a imprensa, que, por algum motivo, acompanhava o prefeito nessa expedição, fez a festa. Imagine entrar num açougue e pedir um sorvete!
As coisas mudam. Outro dia, um turista entrou numa banca de jornais da avenida Ataulfo de Paiva e perguntou se vendiam havaianas. O jornaleiro disse que não e apontou a peixaria no outro lado da rua. E, de fato, no lugar dos robalos e garoupas, a porta da peixaria ostentava um farto estoque de sandálias de dedo, de todos os tamanhos e cores. Acho que vendia também pescado e frutos do mar.
Foi-se o tempo em que as bancas tinham até 15 jornais locais para vender. Hoje têm três ou quatro, asfixiados pela população de revistas, e todos lutam por espaço contra os cigarros, chocolates, dropes, jujubas, picolés, batatas fritas, incenso, bolas, bonés e camisetas que as bancas também vendem. E algumas, efetivamente, vendem sandália de dedo.
As farmácias, você sabe. Oferecem refrigerantes, bombons, fortificantes, tênis, calcinha, pneu, escafandro -tudo, menos remédio, o que dispensa a figura do farmacêutico experiente e conhecedor dos medicamentos. Na maioria delas, o atendente não consegue distinguir um band-aid de um supositório e está ali só para consultar a tela do monitor e dizer se tem ou não tem. As farmácias são tão bom negócio no Brasil que estão sendo incorporadas por bancos, grandes investidores e até supermercados. Não demora e será tudo uma coisa só.
O irônico é que, hoje, o ex-prefeito Cesar Maia já pode entrar num determinado açougue chique aqui do Leblon e pedir um sorvete.


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