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RUY CASTRO
Sorvete no açougue
RIO DE JANEIRO - Há anos, numa de suas incontáveis administrações, o então prefeito Cesar Maia
entrou em um açougue no Rio e pediu um sorvete. O açougueiro, constrangido, teve de admitir que não
trabalhava com o produto. Mas a
imprensa, que, por algum motivo,
acompanhava o prefeito nessa expedição, fez a festa. Imagine entrar
num açougue e pedir um sorvete!
As coisas mudam. Outro dia, um
turista entrou numa banca de jornais da avenida Ataulfo de Paiva e
perguntou se vendiam havaianas. O
jornaleiro disse que não e apontou a
peixaria no outro lado da rua. E, de
fato, no lugar dos robalos e garoupas, a porta da peixaria ostentava
um farto estoque de sandálias de
dedo, de todos os tamanhos e cores.
Acho que vendia também pescado e
frutos do mar.
Foi-se o tempo em que as bancas
tinham até 15 jornais locais para
vender. Hoje têm três ou quatro, asfixiados pela população de revistas,
e todos lutam por espaço contra os
cigarros, chocolates, dropes, jujubas, picolés, batatas fritas, incenso,
bolas, bonés e camisetas que as
bancas também vendem. E algumas, efetivamente, vendem sandália de dedo.
As farmácias, você sabe. Oferecem refrigerantes, bombons, fortificantes, tênis, calcinha, pneu, escafandro -tudo, menos remédio, o
que dispensa a figura do farmacêutico experiente e conhecedor dos
medicamentos. Na maioria delas, o
atendente não consegue distinguir
um band-aid de um supositório e
está ali só para consultar a tela do
monitor e dizer se tem ou não tem.
As farmácias são tão bom negócio
no Brasil que estão sendo incorporadas por bancos, grandes investidores e até supermercados. Não demora e será tudo uma coisa só.
O irônico é que, hoje, o ex-prefeito Cesar Maia já pode entrar num
determinado açougue chique aqui
do Leblon e pedir um sorvete.
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