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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Reconstruir o Estado
TUDO QUE o Brasil mais quer
depende de algo que mal figura no debate brasileiro. Depende de reconstruir o Estado,
seus quadros e suas práticas de gestão. Sem Estado capaz de dar seguimento prático ao que for, em cada
momento, a vontade política da nação, a política perde seriedade. De
todos os legados que o governo pode deixar para o país, nenhum é
mais importante. Em vez de ajudar
a abrir um só caminho, ajuda a
abrir todos. Ao estudar, à luz de
nossas realidades, as mudanças em
matéria de gestão pública que
ocorrem mundo afora, é fácil constatar a importância de três conjuntos de práticas.
O primeiro conjunto tem a ver
com meios para cobrar resultados.
Todo grande projeto ou programa
público deve contar com dois executivos públicos: um para geri-lo;
outro, de fora do ministério respectivo, especialmente designado
para acompanhar o desempenho
de acordo com metas e prazos publicamente anunciados. Esse inspetor deve ter poder para superar
obstáculos corriqueiros ou reportar-se a quem o tenha. E todos os
responsáveis por cobrança devem
integrar aparato formado pela parte do governo que coordene junto
ao presidente e sob os olhos do
Congresso, da imprensa e da sociedade, as políticas públicas.
O segundo conjunto diz respeito
à relação entre o hoje e o amanhã
do trabalho do Estado. Não basta
prover serviços públicos padronizados de baixa qualidade. E esperar
que novidade e qualidade venham
do mercado. O Estado precisa ser
ao mesmo tempo retaguarda e vanguarda: experimentar, sem dogma
ou preconceito, novas maneiras de
prover serviços. Pode fazê-lo, sem
pôr em risco os serviços existentes,
ora por meio de quadros especiais
dentro da administração pública,
ora por contratos com provedores
privados. Incorporam-se depois as
inovações bem-sucedidas à prática
geral. Reconcilia-se, assim, cautela
e ousadia.
O tema do terceiro conjunto é o
corpo de funcionários. Diminuir o
número de cargos comissionados e
formar carreiras de Estado, a partir
de setores estratégicos dentro da
administração pública, com menos
funcionários, porém mais bem
qualificados e remunerados. Tais
quadros públicos de elite dentro do
Estado serviram tradicionalmente
entre nós como celeiro dos melhores gestores da iniciativa privada. E
permitiram que uma classe média,
fiada no mérito e no esforço, ascendesse em sociedade ainda dominada por herdeiros e apadrinhados.
Não se renova essa tradição de noite para o dia. Mas o esforço tem de
começar já.
Parece árida a discussão. Mas
trata de medidas que nos permitiriam trocar palavras por atos, dando conteúdo à política e autoconfiança à nação. Isso é fazer futuro.
www.robertounger.net
ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.
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