São Paulo, terça-feira, 06 de fevereiro de 2007

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Reconstruir o Estado

TUDO QUE o Brasil mais quer depende de algo que mal figura no debate brasileiro. Depende de reconstruir o Estado, seus quadros e suas práticas de gestão. Sem Estado capaz de dar seguimento prático ao que for, em cada momento, a vontade política da nação, a política perde seriedade. De todos os legados que o governo pode deixar para o país, nenhum é mais importante. Em vez de ajudar a abrir um só caminho, ajuda a abrir todos. Ao estudar, à luz de nossas realidades, as mudanças em matéria de gestão pública que ocorrem mundo afora, é fácil constatar a importância de três conjuntos de práticas.
O primeiro conjunto tem a ver com meios para cobrar resultados.
Todo grande projeto ou programa público deve contar com dois executivos públicos: um para geri-lo; outro, de fora do ministério respectivo, especialmente designado para acompanhar o desempenho de acordo com metas e prazos publicamente anunciados. Esse inspetor deve ter poder para superar obstáculos corriqueiros ou reportar-se a quem o tenha. E todos os responsáveis por cobrança devem integrar aparato formado pela parte do governo que coordene junto ao presidente e sob os olhos do Congresso, da imprensa e da sociedade, as políticas públicas.
O segundo conjunto diz respeito à relação entre o hoje e o amanhã do trabalho do Estado. Não basta prover serviços públicos padronizados de baixa qualidade. E esperar que novidade e qualidade venham do mercado. O Estado precisa ser ao mesmo tempo retaguarda e vanguarda: experimentar, sem dogma ou preconceito, novas maneiras de prover serviços. Pode fazê-lo, sem pôr em risco os serviços existentes, ora por meio de quadros especiais dentro da administração pública, ora por contratos com provedores privados. Incorporam-se depois as inovações bem-sucedidas à prática geral. Reconcilia-se, assim, cautela e ousadia.
O tema do terceiro conjunto é o corpo de funcionários. Diminuir o número de cargos comissionados e formar carreiras de Estado, a partir de setores estratégicos dentro da administração pública, com menos funcionários, porém mais bem qualificados e remunerados. Tais quadros públicos de elite dentro do Estado serviram tradicionalmente entre nós como celeiro dos melhores gestores da iniciativa privada. E permitiram que uma classe média, fiada no mérito e no esforço, ascendesse em sociedade ainda dominada por herdeiros e apadrinhados.
Não se renova essa tradição de noite para o dia. Mas o esforço tem de começar já. Parece árida a discussão. Mas trata de medidas que nos permitiriam trocar palavras por atos, dando conteúdo à política e autoconfiança à nação. Isso é fazer futuro.


www.robertounger.net

ROBERTO MANGABEIRA UNGER
escreve às terças-feiras nesta coluna.


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