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CLÓVIS ROSSI
Uma Gaza em fogo brando
SÃO PAULO - Daniel Bergamasco,
desta Folha, capturou, em uma
única frase, rica descrição do que é
Paraisópolis, a favela encravada entre as mansões do Morumbi. Em
estande de vendas da MRV Engenharia, a metros da favela, o corretor de imóveis De Paula disse a Bergamasco: "Não tem problema. São
dois mundos distintos, você sai da
favela e já está em lugar completamente diferente".
Tem problema, sim, companheiro. Aliás, O problema é a existência
desses dois mundos vizinhos, mas
"diferentes" e que só se misturam
porque são obrigados a fazê-lo pelas circunstâncias.
Paraisópolis é um dos incontáveis produtos do crescimento desordenado da cidade de São Paulo,
conforme mostrou um belo mergulho nela do repórter Rodrigo Bertolotto, do UOL Notícias. Nasceu de
construções de operários que trabalharam na construção do estádio
do Morumbi e outras edificações
vizinhas.
Ou seja, é mais um produto clássico do apartheid social brasileiro.
Sua degradação surgiu com o aumento do consumo e, por extensão,
do tráfico de drogas.
Bergamasco colheu outro depoimento que conta tudo: a empregada doméstica Maria Aparecida de
Jesus, que matriculava a filha na
Escola Estadual Vila Andrade, na
favela, disse que "Paraisópolis só
será um lugar bom para viver quando se livrar das drogas".
Tem-se aí uma segunda falha do
poder público. Se uma empregada
doméstica sabe como fazer da favela um "lugar bom para viver", é intolerável que o Estado não o saiba
ou se mostre impotente. Claro que
combater o tráfico de drogas não é
trivial, mas as autoridades são eleitas exatamente para fazer mais que
o trivial, não?
De repente, um estopim qualquer põe fogo na área, há um corre-corre de autoridades e, extinto o fogo, as Paraisópolis, que são muitas,
voltam a ser o que sempre foram,
uma Gaza em fogo brando.
crossi@uol.com.br
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