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JOSÉ SARNEY
Da arte de escolher
A REVISTA "Serafina", da
Folha, me pede para escolher os dez livros que marcaram a minha vida. Dez, só dez!
Os livros têm sido meus amigos de
todos os momentos, desde que,
menino, descobri a Biblioteca do
Povo, com livros como "A Revolução da Maria da Fonte", que eu li
com encantamento e formou uma
das heroínas da minhas infância:
"No lugar da Fonte, Concelho (sic)
da Póvoa do Lanhoso, no coração
do Minho, existiu a que foi a Joana
d'Arc do Setembrismo".
Depois, não repetirei aqui esta
história que já contei tantas vezes,
meu pai me deu como marcos da
literatura de língua portuguesa os
"Sermões" do padre Antônio Vieira e "Um Estadista do Império", de
Joaquim Nabuco, "Nabuco falando
de Nabuco", como disse Machado
de Assis quando o exaltou.
Com o passar dos anos, eles foram se somando. Uns sérios, outros leves, agora a prosa, agora a
poesia -que nunca passou minha
necessidade de ler e escrever versos, desde que formamos em São
Luís do Maranhão nosso grupo literário, com sua revista, "A Ilha". A
literatura foi a paixão que compartilhei vida afora com esta outra
vertente, a da política. Estudante
eterno, que passou muitas noites
na Biblioteca Pública de São Luís,
hoje ainda estudo nos livros que se
empilham em minhas bibliotecas,
em cada canto da casa e, companhia na noite, em minha cabeceira.
Não sei dormir sem ler.
E agora querem que escolha somente dez livros. Hoje fazia minha
lista e de repente descobri que nela
não estava o "Dom Quixote", esse
livro que é o maior livro que já foi
escrito, que contém todos os livros,
na sabedoria do humor e da análise
mais profunda da humanidade, na
cristalização perfeita e imortal do
dom Quixote e do Sancho Pança, a
sociedade e a civilização, o tempo e
a história, a guerra e a paz, a condição humana vista em todas as suas
nuances.
Tinha que cortar um livro. Cortei, com dor no coração, o "Pedro
Páramo", de Juan Rulfo. Encontrei
Rulfo em 1969. Reencontrei-o no
fim dos anos 70, numa edição popular do FCE. Já então não se contavam as edições. Senti logo a força
do livro. Queria ler mais Rulfo, mas
seus contos só li muito depois.
Pouco havia -só recentemente
surgiu a edição conjunta em português de "Pedro Páramo" e "Chão
em Chamas", traduzida por Eric
Nepomuceno.
"Pedro Páramo" é um pequeno
livro, 130 páginas.
Nelas, com seu
poder de síntese, Juan Rulfo nos
mergulha no universo do realismo
maravilhoso, num romance que é
tragédia, poesia, solidão. Pois acabei cortando o "Pedro Páramo" da
minha lista dos dez livros mais importantes de minha vida.
Parafraseando Guimarães Rosa,
viver é muito dificultoso.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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