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TENDÊNCIAS/DEBATES
O Supremo Tribunal Federal deve
determinar intervenção no DF?
NÃO
Medida excepcional
CARLOS VELLOSO
A UNIÃO , os Estados, o Distrito
Federal e os municípios, todos
autônomos, compõem a República Federativa do Brasil, ou a União
em sentido total. Estados, Distrito
Federal e municípios detêm capacidade de auto-organização, autogoverno e autoadministração, característica fundamental da Federação. Há
mecanismos que tornam efetivo o
equilíbrio federativo, e o mais doloroso deles é a intervenção federal nos
Estados e no Distrito Federal.
Trata-se de instituto próprio do Estado federal, para nele desempenhar
a função estabilizadora do complexo
ordenamento federativo, remédio para manifestações patológicas, casos
extremos de tumores malignos no organismo federal (Raul Machado Horta). Por isso, ela constitui medida excepcional, anormal, que impede, enquanto vigente, que a Constituição
seja emendada.
Há hipóteses em que o presidente
da República decreta a intervenção
por iniciativa própria -por exemplo,
para manter a integridade nacional.
Em casos outros, mais complexos, o
constituinte foi cauteloso e estabeleceu que o presidente somente poderia fazê-lo por requisição do Supremo
Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral:
1) para garantir o livre exercício dos
Poderes nas unidades da Federação.
Se a coação for exercida contra o Judiciário, a intervenção dependerá de
requisição do Supremo;
2) para prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial. Tratando-se de execução de lei federal, a
requisição será do Supremo. Em caso
de desobediência a decisão judicial,
requisição do STF, do STJ ou do TSE;
3) para assegurar a observância dos
princípios constitucionais sensíveis,
como, a forma republicana, o sistema
representativo e o regime democrático, caso em que a intervenção dependerá de provimento pelo STF de representação do procurador-geral da
República. Provida a representação, o
Supremo requisitará a intervenção ao
presidente da República. Dispensada
a apreciação pelo Congresso, o decreto limitar-se-á a suspender a execução do ato impugnado, se essa medida
bastar ao restabelecimento da normalidade. Se não bastar, será decretada a intervenção, devendo o ato ser
submetido à apreciação do Congresso
em 24 horas.
No caso do Distrito Federal, o pedido é este: assegurar a observância da
forma republicana, do sistema representativo e do regime democrático.
Ora, é fácil perceber que não estaria
ocorrendo, no Distrito Federal, desrespeito à forma republicana de governo. A Assembleia e o Executivo
não editaram lei que estivesse, por
exemplo, adotando princípios da forma monárquica de governo, violador
do voto direto, universal e periódico
ou ofensivo ao princípio da separação
dos Poderes.
O certo é que os Poderes locais funcionam regularmente. O governador
foi afastado do cargo por ordem do
Judiciário. A sucessão constitucional
ocorreu normalmente. Forma republicana de governo, sistema representativo e regime democrático estão
sendo praticados regularmente. As
acusações contra os agentes políticos
estão sendo apuradas tanto pelo órgão político quanto pelo Judiciário.
Pretender a intervenção tão só porque há acusações contra agentes políticos é ir longe demais, é buscar precedente perigoso para o regime democrático e danoso ao sistema federativo. De outro lado, acolhida a representação, qual seria o ato impugnado que seria suspenso pelo presidente da República, preliminar do decreto de intervenção? Teríamos, ademais, sob o pálio da Constituição de
1988, a primeira intervenção federal
numa unidade federativa.
Alguns tomam partido em favor da
intervenção, ao argumento de que o
Distrito Federal não deveria ter status de ente federativo. Concordo com
a objeção. O Distrito Federal deveria
ser considerado município neutro,
com prefeito e Câmara de Vereadores. Acontece que a Constituição conferiu-lhe a condição de entidade federativa. E cumprir a Constituição é dever fundamental das instituições políticas e da cidadania. A corte que a
Constituição fez seu guardião maior,
o Supremo Tribunal Federal, dirá a
palavra final.
CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO , 74, professor
emérito da UnB (Universidade de Brasília) e da PUC-MG
(Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais), foi
presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do TSE
(Tribunal Superior Eleitoral). É autor do livro "Temas de
Direito Público".
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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