São Paulo, Sábado, 06 de Março de 1999
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O aumento dos juros é hoje a melhor medida contra a volta da inflação?

NÃO
Prioridade ao ajuste fiscal

FERNANDO BEZERRA

A desvalorização de quase 80% do real em relação ao dólar, ocorrida nas últimas semanas, e seus impactos sobre as expectativas de inflação têm levado alguns analistas a propor um forte aumento das taxas de juros primárias da economia, como proteção contra esses riscos. Por uma série de razões, a proposta me parece equivocada.
A elevação das taxas de juros é um instrumento usual de política econômica, utilizado para conter o movimento de desvalorização excessiva da taxa de câmbio após mudanças no regime cambial. No entanto, é preciso levar em conta que a taxa de juros real no Brasil já vinha sendo mantida em níveis muito elevados há vários anos e que, ainda assim, a taxa nominal foi aumentada logo após a mudança do regime.
Além disso, é fundamental que não se perca de vista a verdadeira origem do problema. A pressão sobre a taxa de câmbio (logo, sobre a inflação) ocorre basicamente porque há uma enorme incerteza quanto à capacidade do governo de eliminar o déficit fiscal e tirar a dívida pública da insustentável trajetória de alta em que se encontra.
Além disso, fenômenos transitórios (como a concentração de vencimentos de títulos) concorreram para acentuar o desequilíbrio entre oferta e demanda de dólares, fato agravado pela situação de interinidade na administração do Banco Central por mais de um mês.
Nesse sentido, um novo aumento dos juros, como o que foi adotado nesta semana pelo BC, não é solução, mas agravante do problema. Como se sabe, mais de 70% da dívida pública atualmente no mercado é pós-fixada, ou seja, paga no resgate os juros vigentes no período. Com isso (e dado o perfil de curto prazo da dívida), altas de juros têm impacto imediato sobre as despesas financeiras do governo, aumentando a pressão sobre o déficit público.
Como se esses argumentos não bastassem, é preciso deixar muito claro que o setor produtivo nacional não suportará uma nova elevação dos juros.
Punido por uma injusta e sufocante carga tributária, onerado pelo chamado "custo Brasil" e submetido a elevadas taxas de juros, o produto brasileiro perde cada vez mais a sua competitividade. Um novo aumento dos juros, além de representar uma elevação do "custo Brasil", pode significar a inviabilização definitiva da atividade produtiva nacional, ferindo de morte sua sonhada isonomia competitiva e impedindo-a de gerar empregos.
Um dos argumentos dos que sustentam a necessidade de elevação dos juros é que as aplicações financeiras têm tido remuneração negativa em termos reais, o que tenderia a estimular o consumo e elevar os índices de preços. No entanto, ao mirar a inflação passada para fins de política monetária, elevando os juros porque a inflação mensal se elevou, o Banco Central pode, na verdade, reforçar as práticas de indexação -ou, o que é pior, sinalizar a expectativa de uma trajetória de alta.
Em suma, o governo não deve usar a elevação dos juros como principal instrumento para conter a inflação. Todos os esforços devem ser envidados para obter avanços significativos no plano fiscal e recuperar a credibilidade do governo na condução da política econômica, o que inclui, prioritariamente, a realização da reforma tributária. Só esses avanços podem dar à desvalorização sua dimensão desejável, alterando os preços relativos na economia sem ensejar uma nova espiral inflacionária.
Continua valendo, agora como no passado, o princípio de que não há estabilização macroeconômica sem a mudança do atual regime fiscal deficitário. Postergar a solução desse problema foi a causa do fracasso de experiências anteriores de estabilização e impõe hoje um custo extraordinário à sociedade brasileira para que sejam preservadas as conquistas do Plano Real.
Com novos avanços na área fiscal e a renegociação do acordo com o Fundo Monetário Internacional, estou seguro de que tanto a taxa de câmbio como as expectativas inflacionárias tenderão a ceder, abrindo espaço para a imprescindível redução dos juros e dando início, enfim, à recuperação da economia.


Fernando Bezerra, 57, empresário, é senador pelo PMDB-RN e presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria). Preside a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado.



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