São Paulo, Sábado, 06 de Março de 1999
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O aumento dos juros é hoje a melhor medida contra a volta da inflação?

SIM
Sem soluções fáceis

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
e NATHAN BLANCHE


Após passar anos defendendo enfaticamente a desvalorização do real em relação ao dólar, chegando inclusive a pedir a troca do presidente do Banco Central, a Fiesp agora se mostra preocupada com as consequências dessa desvalorização sobre a economia. Segundo nota do Conselho Superior de Economia da instituição, muitas indústrias poderiam entrar em processo de inadimplência, o que aumentaria o desemprego e levaria, em alguns casos, ao fechamento de atividades. A entidade avalia: "O foco crítico da travessia é como vamos fazer a inversão do "overshooting". A economia não pode funcionar com esse câmbio de R$ 2".
Essa avaliação pode ser lida como uma declaração de arrependimento tardio pelo fato de a instituição ter lutado tão bravamente, conseguindo que o real fosse desvalorizado, sem que as consequências desse ato fossem devidamente avaliadas. Nesse caso, a Fiesp deveria cobrar de seus consultores por não terem analisado com o devido cuidado as experiências de países emergentes, como o Brasil, que tentaram seguir esse caminho.
Uma análise, mesmo superficial, mostraria que o que ocorre no Brasil é exatamente o que aconteceu em todos esses países, sem exceção: a desvalorização (nominal e real) inicial da moeda foi extremamente elevada e descontrolada, as economias entraram em profunda recessão, empresas se tornaram inadimplentes, algumas atividades foram fechadas e o desemprego aumentou. Nesse sentido, não há nenhuma surpresa. É exatamente o que deveríamos esperar que acontecesse no Brasil. Em qualquer empresa privada eficiente, esses consultores seriam demitidos devido às enormes perdas causadas por suas opiniões equivocadas.
O segundo ponto importante é que a nota parece sugerir que esteja ocorrendo um "overshooting" da desvalorização da taxa de câmbio nominal. Se essa leitura é verdadeira, os consultores da Fiesp estão novamente errados.
Na Coréia e na Tailândia, a taxa de câmbio nominal atingiu um pico de desvalorização entre cinco e sete meses após o início do processo. A partir daí, passou a se valorizar em face do dólar. A inflação, tendo aumentado nos primeiros meses após a liberalização do câmbio, caiu quando a taxa de câmbio nominal inverteu sua tendência. No México, o que ajustou a taxa de câmbio real foi o aumento da inflação, que atingiu 53% em 1995. A taxa de câmbio nominal continuou sua trajetória de desvalorização, que persiste até hoje.
Em outras palavras, a desvalorização real da moeda tende a diminuir ao longo do tempo, seja pela valorização da taxa nominal de câmbio, seja pelo aumento da taxa de inflação. Ou seja: se existe um "overshooting", ele é da taxa de câmbio real, não necessariamente da taxa de câmbio nominal.
A principal diferença entre essas experiências é que, nos dois primeiros países (Coréia e Tailândia), as taxas de juros reais foram mantidas positivas ao longo de todo o processo (em torno de 12% ao ano). No México, por sua vez, os juros reais foram negativos em vários momentos; quando positivos, foram bem menores que os vigentes na Coréia (em torno de 6% ao ano).
Ou seja, se o objetivo é evitar que a inflação seja a variável de ajuste da taxa de câmbio real, é muito importante que o Banco Central mantenha taxas de juros reais positivas e relativamente elevadas (ainda que bem menores que as vigentes antes da desvalorização).
Entretanto, as taxas de juros nominais terão de aumentar ainda mais que as atuais, devido ao forte aumento da taxa de inflação gerado pela desvalorização. Essa parece ser a única forma de evitar que a "bolha" inflacionária gerada pela desvalorização se transforme em um "patamar" inflacionário elevado, como ocorreu no México.
Analisar as experiências de outros países é de fundamental importância para antecipar problemas em nosso próprio país. Desprezar essas experiências, como fizeram vários analistas brasileiros quanto às consequências da desvalorização do real, pode levar a erros graves e de difícil solução.
Se essas experiências são relevantes (como realmente parecem ser) e se desejamos evitar a volta da inflação, teremos de conviver com juros nominais ainda mais elevados que os atuais durante algum tempo. O resultado será mais recessão e mais desemprego, mas, provavelmente, menos inflação.
A manutenção de juros reais negativos, como ocorreu em fevereiro, fatalmente levará à volta de elevados níveis inflacionários, ainda que, provavelmente, com menor recessão e menor desemprego. A escolha é dura, mas tem de ser feita. Não há soluções fáceis.


José Márcio Camargo, 51, doutor em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), é professor do Departamento de Economia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio de Janeiro e sócio da Tendências Consultoria Integrada.

Nathan Blanche, 60, economista, é sócio da Tendências Consultoria Integrada.




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