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O aumento dos juros é hoje a melhor medida contra a volta da inflação?
SIM
Sem soluções fáceis
JOSÉ MÁRCIO CAMARGO
e NATHAN BLANCHE
Após passar anos defendendo enfaticamente a desvalorização do real em
relação ao dólar, chegando inclusive a
pedir a troca do presidente do Banco
Central, a Fiesp agora se mostra preocupada com as consequências dessa
desvalorização sobre a economia. Segundo nota do Conselho Superior de
Economia da instituição, muitas indústrias poderiam entrar em processo de
inadimplência, o que aumentaria o desemprego e levaria, em alguns casos, ao
fechamento de atividades. A entidade
avalia: "O foco crítico da travessia é
como vamos fazer a inversão do
"overshooting". A economia não pode
funcionar com esse câmbio de R$ 2".
Essa avaliação pode ser lida como
uma declaração de arrependimento
tardio pelo fato de a instituição ter lutado tão bravamente, conseguindo que o
real fosse desvalorizado, sem que as
consequências desse ato fossem devidamente avaliadas. Nesse caso, a Fiesp
deveria cobrar de seus consultores por
não terem analisado com o devido cuidado as experiências de países emergentes, como o Brasil, que tentaram seguir esse caminho.
Uma análise, mesmo superficial,
mostraria que o que ocorre no Brasil é
exatamente o que aconteceu em todos
esses países, sem exceção: a desvalorização (nominal e real) inicial da moeda
foi extremamente elevada e descontrolada, as economias entraram em profunda recessão, empresas se tornaram
inadimplentes, algumas atividades foram fechadas e o desemprego aumentou. Nesse sentido, não há nenhuma
surpresa. É exatamente o que deveríamos esperar que acontecesse no Brasil.
Em qualquer empresa privada eficiente, esses consultores seriam demitidos
devido às enormes perdas causadas por
suas opiniões equivocadas.
O segundo ponto importante é que a
nota parece sugerir que esteja ocorrendo um "overshooting" da desvalorização da taxa de câmbio nominal. Se
essa leitura é verdadeira, os consultores
da Fiesp estão novamente errados.
Na Coréia e na Tailândia, a taxa de
câmbio nominal atingiu um pico de
desvalorização entre cinco e sete meses
após o início do processo. A partir daí,
passou a se valorizar em face do dólar.
A inflação, tendo aumentado nos primeiros meses após a liberalização do
câmbio, caiu quando a taxa de câmbio
nominal inverteu sua tendência. No
México, o que ajustou a taxa de câmbio
real foi o aumento da inflação, que
atingiu 53% em 1995. A taxa de câmbio
nominal continuou sua trajetória de
desvalorização, que persiste até hoje.
Em outras palavras, a desvalorização
real da moeda tende a diminuir ao longo do tempo, seja pela valorização da
taxa nominal de câmbio, seja pelo aumento da taxa de inflação. Ou seja: se
existe um "overshooting", ele é da taxa de câmbio real, não necessariamente
da taxa de câmbio nominal.
A principal diferença entre essas experiências é que, nos dois primeiros
países (Coréia e Tailândia), as taxas de
juros reais foram mantidas positivas ao
longo de todo o processo (em torno de
12% ao ano). No México, por sua vez,
os juros reais foram negativos em vários momentos; quando positivos, foram bem menores que os vigentes na
Coréia (em torno de 6% ao ano).
Ou seja, se o objetivo é evitar que a
inflação seja a variável de ajuste da taxa
de câmbio real, é muito importante que
o Banco Central mantenha taxas de juros reais positivas e relativamente elevadas (ainda que bem menores que as
vigentes antes da desvalorização).
Entretanto, as taxas de juros nominais terão de aumentar ainda mais que
as atuais, devido ao forte aumento da
taxa de inflação gerado pela desvalorização. Essa parece ser a única forma de
evitar que a "bolha" inflacionária gerada pela desvalorização se transforme
em um "patamar" inflacionário elevado, como ocorreu no México.
Analisar as experiências de outros
países é de fundamental importância
para antecipar problemas em nosso
próprio país. Desprezar essas experiências, como fizeram vários analistas brasileiros quanto às consequências da
desvalorização do real, pode levar a erros graves e de difícil solução.
Se essas experiências são relevantes
(como realmente parecem ser) e se desejamos evitar a volta da inflação, teremos de conviver com juros nominais
ainda mais elevados que os atuais durante algum tempo. O resultado será
mais recessão e mais desemprego, mas,
provavelmente, menos inflação.
A manutenção de juros reais negativos, como ocorreu em fevereiro, fatalmente levará à volta de elevados níveis
inflacionários, ainda que, provavelmente, com menor recessão e menor
desemprego. A escolha é dura, mas tem
de ser feita. Não há soluções fáceis.
José Márcio Camargo, 51, doutor em economia pelo
Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), é professor do Departamento de Economia da PUC (Pontifícia
Universidade Católica) do Rio de Janeiro e sócio da Tendências Consultoria Integrada.
Nathan Blanche, 60, economista, é sócio da Tendências
Consultoria Integrada.
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