São Paulo, sexta-feira, 06 de abril de 2001

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JOSÉ SARNEY

Cebola com aftosa

Assistimos , há dias, a uma cena inusitada: dezenas de caminhões argentinos com carga de cebola detidos na aduana brasileira, como defesa do nosso rebanho, que podia ser contaminado pela cebola com aftosa. O Brasil enfrentou uma árdua luta com o Canadá, defendendo a tese de que se tratava de uma retaliação mesquinha o embargo da carne bovina do nosso país sob a alegação de que podia ser vulnerável à doença da vaca louca, embora não tivéssemos um só caso suspeito em nosso território.
Agora, nossas autoridades sanitárias descobrem um caso cientificamente extraordinário: a cebola contaminada com aftosa. Não sei a que possa atribuir esses pequenos fatos que trazem embutidos uma surda resistência ao Mercosul, criando situações que atingem mais a opinião pública do que a economia.
Se isso ocorre do nosso lado, sem explicação possível, do lado argentino a coisa é mais grave. É o próprio Cavallo que proclama sua resistência a esse avanço extraordinário na integração do Cone Sul, dizendo que uma "posição comum sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) é tolice", acrescentando que "muitos brasileiros acham que eu quero colocar uma bomba no Mercosul. Quero apenas abrir um debate". Na verdade Cavallo não quer destruir, quer que nos suicidemos com a divisão e a controvérsia. Essas afirmativas ele as fez no lançamento do seu livro "Paixão por criar", que ele devia completar -"por criar caso".
Na outra ponta, Bush, o novo, no velho estilo texano, de chapéu caubói, botas e esporas, retoma antigo ar arrogante e prepotente. O nosso presidente Figueiredo afirmou que "gostava mais do cheiro do cavalo que do do povo". Já o general Mourão proclamou que não era um ferrabrás, mas "uma vaca fardada". Bush, na mesma linha, confessou dizendo: "Já tive essa doença (da vaca louca)". A Arafat, não teve peias: "Espero que desta vez ele entenda, senão...", e para Fernando Henrique, na véspera de seu encontro, veio com aquela história de "olho no olho", o que fez o nosso presidente tirar os óculos, e Bush não soube distinguir se via olhos verdes, castanhos ou azuis. Na Casa Branca, proibiu decotes e saias curtas para não ser tentado como Clinton na história da Mônica. E, para melhor ser entendido, instalou na residência uma academia, onde pratica halterofilismo e alongamento, como aviso ao mundo do seu estilo: no murro e no puxão de orelha. Por isso não assinou o Protocolo de Kyoto, alegando ferir interesses das companhias poluidoras americanas, que ele deve punir, e não proteger.
Sobre a Alca, ele deseja que ela seja logo concluída, porque é "bom para os Estados Unidos". Invoco o que disse o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães com uma pergunta que deve ser pensada pelo Brasil: "Por que a Europa e o Japão não fazem uma zona de livre-comércio com os Estados Unidos?". Respondo: porque não interessa a eles. Fazê-la é "abrir mão da possibilidade de ter políticas comerciais, industriais e tecnológicas. Trata-se de abdicar da escolha do nosso desenvolvimento", como concluía o nosso patriota e mesmo diplomata.
O que vai mal no Mercosul é a retorica dos dois lados, o jogo do pequeno mundo, sem a visão do futuro e do que representa para esta região um novo tempo de união para, como dizia Alfonsín, crescermos juntos. E sobre a Alca, nada de aceitá-la sem que o povo saiba a que vem.


José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.


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