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JOSÉ SARNEY
Cebola com aftosa
Assistimos , há dias, a uma cena
inusitada: dezenas de caminhões
argentinos com carga de cebola detidos na aduana brasileira, como defesa
do nosso rebanho, que podia ser contaminado pela cebola com aftosa. O
Brasil enfrentou uma árdua luta com
o Canadá, defendendo a tese de que se
tratava de uma retaliação mesquinha
o embargo da carne bovina do nosso
país sob a alegação de que podia ser
vulnerável à doença da vaca louca,
embora não tivéssemos um só caso
suspeito em nosso território.
Agora, nossas autoridades sanitárias
descobrem um caso cientificamente
extraordinário: a cebola contaminada
com aftosa. Não sei a que possa atribuir esses pequenos fatos que trazem
embutidos uma surda resistência ao
Mercosul, criando situações que atingem mais a opinião pública do que a
economia.
Se isso ocorre do nosso lado, sem explicação possível, do lado argentino a
coisa é mais grave. É o próprio Cavallo
que proclama sua resistência a esse
avanço extraordinário na integração
do Cone Sul, dizendo que uma "posição comum sobre a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) é tolice",
acrescentando que "muitos brasileiros acham que eu quero colocar uma
bomba no Mercosul. Quero apenas
abrir um debate". Na verdade Cavallo
não quer destruir, quer que nos suicidemos com a divisão e a controvérsia.
Essas afirmativas ele as fez no lançamento do seu livro "Paixão por criar",
que ele devia completar -"por criar
caso".
Na outra ponta, Bush, o novo, no velho estilo texano, de chapéu caubói,
botas e esporas, retoma antigo ar arrogante e prepotente. O nosso presidente Figueiredo afirmou que "gostava
mais do cheiro do cavalo que do do
povo". Já o general Mourão proclamou que não era um ferrabrás, mas
"uma vaca fardada". Bush, na mesma
linha, confessou dizendo: "Já tive essa
doença (da vaca louca)". A Arafat, não
teve peias: "Espero que desta vez ele
entenda, senão...", e para Fernando
Henrique, na véspera de seu encontro,
veio com aquela história de "olho no
olho", o que fez o nosso presidente tirar os óculos, e Bush não soube distinguir se via olhos verdes, castanhos ou
azuis. Na Casa Branca, proibiu decotes e saias curtas para não ser tentado
como Clinton na história da Mônica.
E, para melhor ser entendido, instalou
na residência uma academia, onde
pratica halterofilismo e alongamento,
como aviso ao mundo do seu estilo:
no murro e no puxão de orelha. Por isso não assinou o Protocolo de Kyoto,
alegando ferir interesses das companhias poluidoras americanas, que ele
deve punir, e não proteger.
Sobre a Alca, ele deseja que ela seja
logo concluída, porque é "bom para
os Estados Unidos". Invoco o que disse o embaixador Samuel Pinheiro
Guimarães com uma pergunta que
deve ser pensada pelo Brasil: "Por que
a Europa e o Japão não fazem uma zona de livre-comércio com os Estados
Unidos?". Respondo: porque não interessa a eles. Fazê-la é "abrir mão da
possibilidade de ter políticas comerciais, industriais e tecnológicas. Trata-se de abdicar da escolha do nosso desenvolvimento", como concluía o
nosso patriota e mesmo diplomata.
O que vai mal no Mercosul é a retorica dos dois lados, o jogo do pequeno
mundo, sem a visão do futuro e do
que representa para esta região um
novo tempo de união para, como dizia
Alfonsín, crescermos juntos. E sobre a
Alca, nada de aceitá-la sem que o povo
saiba a que vem.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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