São Paulo, domingo, 06 de abril de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Hora de relançar

JOHN NESCHLING

Com esse início de temporada, desejo lançar uma nova etapa, em que a Osesp volte a ser notícia pela beleza de seu projeto

A ABERTURA de uma temporada é uma oportunidade especial. Para uma orquestra, é o momento para o relançamento de seu espírito e projeto artístico.
O primeiro programa que executamos no ano foi a segunda sinfonia de Mahler -a sinfonia da "Ressurreição". Em 1999, com a apresentação dessa obra, inauguramos a nossa sede, a Sala São Paulo. Foi quando lançamos as bases para a atual encarnação da orquestra: vigorosa artisticamente, saudável financeiramente, bem instalada como as melhores orquestras do mundo e gerenciada como nenhuma outra no Brasil.
Ressurreição, naquele momento, significava o renascimento da Osesp para uma fase de grande esplendor.
Apresentamos a transformação do antigo e alquebrado conjunto sinfônico do Estado de São Paulo no que acreditávamos ser a melhor orquestra do país, sediada na melhor e mais moderna sala de concertos do continente. Ninguém há de negar que essa etapa do projeto é um sucesso e foi cumprida.
A orquestra fez turnês nas principais casas de concertos da Europa e dos EUA e foi convidada a voltar. CDs receberam prêmios internacionais, como o Diapason d'Or, o Grammy Latino e outros, de publicações como "Gramophone", "Klassik Heute" e outras. A temporada deste ano vendeu 11.800 assinaturas em São Paulo e 400 no Rio de Janeiro.
O que pode significar hoje a "Ressurreição"? Mahler compôs sua segunda sinfonia focado na idéia da esperança e da negação da angústia.
Ninguém desconhece os momentos difíceis que atravessei nos últimos meses, pela forma dura com que meu nome foi exposto algumas vezes de maneira inesperada para mim.
Como criador e criatura, tudo aquilo que me atingiu acabou por golpear também a orquestra, fruto de um projeto que apresentei ao governo do Estado de São Paulo em 1997, hoje tão bem-sucedido que orgulha os cidadãos paulistas e brasileiros.
Com esse início de temporada, o que desejo é lançar uma nova etapa, em que a Osesp volte a ser notícia apenas pela beleza de seu projeto e qualidade de sua música. Proponho um desarmamento de espíritos. Nas ocasiões em que me vi exposto recentemente, senti sempre o mesmo desalento.
Sei que, muitas vezes, por causa das dificuldades intrínsecas que a implantação de um novo paradigma de orquestra no Brasil apresenta, tomei atitudes aguerridas que me expuseram e deram margem a uma visão a meu respeito distante das intenções que me motivaram.
Por vezes deparei com a surpresa da incompreensão. Tenho a certeza íntima, porém, de ter agido sempre movido por intenções íntegras.
Como líder na construção de uma orquestra que nem sequer tinha uma sede e hoje tem uma reputação internacional, capaz de atrair alguns dos maiores regentes do mundo, sei que a mídia é capaz de amplificar o alcance de um trabalho.
É grande o poder da mídia, tanto para construir quanto para destruir. Sua força decorre do exercício cotidiano de seu duplo papel perante a sociedade. Cabe à mídia criticar e fiscalizar os atores públicos, como cabe a ela também dar visibilidade à construção de instituições e bens culturais que promovam o interesse comum.
Em sua tarefa de refletir a pluralidade dos movimentos na sociedade, há ocasiões em que a mídia pode se inclinar a ouvir algumas vozes mais do que outras.
Pela soma de ocasiões em que me vi exposto recentemente, acabei por ver minha voz virtualmente apagada, mesmo em questões que me diziam respeito e que me colocavam em situação publicamente desconfortável.
Eu não estava preparado para lidar com esse lado de minha exposição pública. Meu cotidiano foi mais devassado que o de qualquer outro líder de instituição pública voltada à cultura.
A posição de um maestro diante da orquestra comporta um paradoxo.
Obriga o regente à busca constante da conciliação entre a autoridade indispensável do comando e a solidariedade na execução das obras. É nessa busca por um equilíbrio delicado que foco meus esforços na "Ressurreição".
A Osesp vale pela transformação que introduziu no meio musical brasileiro, criando condições dignas e estáveis para o músico trabalhar, e vale pela grandeza de seu projeto artístico.
É apenas por essas qualidades indiscutíveis e por seu esforço constante em aprimorar-se que a orquestra deveria ser lembrada.


JOHN NESCHLING , 60, é maestro, diretor artístico e regente titular da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Foi diretor dos teatros municipais de São Paulo e do Rio de Janeiro e dos teatros São Carlos (Lisboa), St. Gallen (Suíça), Massimo (Palermo) e da Ópera de Bordeaux.

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