São Paulo, sábado, 06 de maio de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Vítimas e assassinos

RIO DE JANEIRO - A tese não é nova e foi inventada, se não estou enganado, por juristas italianos, que são cobras em direito penal. No Brasil, ela foi sustentada em alguns casos por Evandro Lins e Silva em seus tempos de glória nos tribunais, tempos que se prolongaram até às vésperas de sua morte, quando defendeu José Rainha e conseguiu sua absolvição.
Trata-se da vitimologia -a teoria de que a vítima, se não é a culpada pelo crime que a matou, foi cúmplice de seu próprio assassinato, fornecendo motivos ao criminoso.
É evidente que há casos e casos. Lembro o do motorista de ônibus que, sem querer, deu uma fechada num carro que ia ao lado. O prejudicado começou a ofender o motorista, postou-se à frente do ônibus e começou a insultá-lo com palavras cada vez mais fortes e letais. O motorista pediu desculpas, buzinou pedindo passagem. Nada. Continuou a receber a enxurrada de insultos. O calor era tremendo, os passageiros reclamavam, o motorista perdeu a paciência, saltou do ônibus com uma barra de ferro e abriu a cabeça do sujeito. Pegou pena leve: caso típico da vítima ter provocado o assassino.
Conversei bastante com Evandro, que escolhi como padrinho quando entrei para a ABL. Ele dizia que o advogado de defesa pode usar todos os recursos para obter a absolvição ou a diminuição da pena de seu cliente. Afinal, não são os advogados que julgam, mas o corpo de jurados, que responde aos quesitos formulados pelo juiz.
No caso do jornalista que matou a namorada em Ibiúna, a tese da vítima ter provocado o crime é mais do que furada. A moça simplesmente não mais queria manter o caso com ele, estava em outra -ou com outro. A prevalecer a tese em todos os casos, quem matou César foi o próprio César. Quem matou Kennedy foi o próprio Kennedy. E quem matou Jesus Cristo foi ele próprio, dando aos seus algozes o motivo.


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